Tributação de ministros de confissão religiosa e recursos recebidos

No último artigo “Contabilidade em organizações religiosas: é possível viver sem?” abordamos os aspectos referentes à contabilidade e à legislação tributária das igrejas no Brasil. Em virtude da relevância do tema, decidimos falar agora sobre a visão do Estado acerca da tributação dos valores recebidos por ministros de confissão religiosa para o seu sustento e de sua família, denominado normalmente como prebendas/côngruas.

Por definição, o termo prebenda – præbere – significa ‘apresentar, oferecer, fornecer’ (de ‘præ’ “antes” e ‘habere’ “ter”), designa stricto sensu uma renda ligada a um canonicato (dignidade atribuída a um cônego), e que representa seu benefício eclesiástico”.

O primeiro ponto a se destacar é sobre a incidência do Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) sobre os montantes pagos pelas igrejas aos seus ministros. A Receita Federal do Brasil (RFB), por meio da Solução de Consulta 254-Cosit, de 26 de maio de 2017, emitiu entendimento de que os valores recebidos por religiosos estão sujeitos ao IRRF. Reforça-se que a RFB cobra a retenção e o repasse do IRRF das remunerações dos ministros, em conformidade com o artigo 167 do Decreto 3000 de 1999, separando o conceito de imunidade das entidades religiosas do entendimento dos pagamentos aos seus ministros.Apesar do decreto ter sido revogado, a norma atual do Imposto de Renda, Decreto Nº 9.580, de 22 de novembro de 2018, no seu artigo 182, que trata da imunidade, reforça a necessidade de as igrejas reterem o IRRF dos recebimentos dos seus ministros e a obrigação de repasse para a RFB:

“II – não exclui a atribuição, por lei, às entidades nela referidas, da condição de responsáveis pelo imposto que lhes caiba reter na fonte e não as dispensa da prática de atos, previstos em lei, assecuratórios do cumprimento de obrigações tributárias por terceiros (Lei nº 5.172, de 1966 – Código Tributário Nacional, art. 9º, § 1º);”

Nesse sentido, observa-se que apesar da imunidade concedida às instituições religiosas, o entendimento da RFB pela cobrança do IRRF sobre os recebimentos de ministros religiosos está sustentado no Decreto do Imposto de Renda, obrigando as instituições a fazerem o desconto e o repasse desse tributo aos cofres públicos.

Além do Imposto de Renda, é preciso considerar as implicações previdenciárias acerca dos valores recebidos a título de prebendas.

Nesse contexto, é importante esclarecer que estamos falando da remuneração, que não tem relação com qualquer natureza de trabalho, somente com o mister religioso e para sua subsistência. Entendemos que, nesse caso específico de remuneração, não é devido à contribuição previdenciária, ou seja, não se tem a retenção de 11% do INSS e não há a base de cálculo para a contribuição do INSS Patronal de 20%, uma vez que não há relação de trabalho, e sim dispêndios com o ministro de confissão religiosa.

A fundamentação base para essa argumentação pode ser verificada no artigo 1º da Lei 10.170 de 29 de dezembro de 2000:

“Não se considera como remuneração direta ou indireta, para os efeitos desta Lei, os valores despendidos pelas entidades religiosas e instituições de ensino vocacional com ministro de confissão religiosa, membros de instituto de vida consagrada, de congregação ou de ordem religiosa em face do seu mister religioso ou para sua subsistência desde que fornecidos em condições que independam da natureza e da quantidade do trabalho executado.”

Assim, desconsiderando qualquer relação de trabalho, é necessário enviar as informações nas declarações acessórias encaminhadas à RFB, como, por exemplo, no eSocial, preenchendo corretamente a categoria de trabalhadores com o código 781 – ministro de confissão religiosa ou membro de vida consagrada, de congregação ou de ordem religiosa. Caso contrário, a RFB pode descaracterizar a tipologia dos recebimentos do ministro de confissão religiosa no exercício de sua atividade vocacional.

Contudo, se os recursos recebidos não são passíveis de incidência de contribuição previdenciária para a seguridade social, como os ministros devem contribuir para sua aposentadoria? Nesse caso, é necessário recolher, por si próprio, a contribuição do INSS, por meio de carnê, na categoria de contribuinte individual, com base no cálculo de 20% do valor declarado, conforme diz o artigo 65, parágrafo 4º, da IN 971 de 2009:

“A contribuição do ministro de confissão religiosa ou membro de instituto de vida consagrada, de congregação ou de ordem religiosa, na situação prevista no § 11 do art. 55, a partir de 1º de abril de 2003, corresponderá a 20% do valor por ele declarado, observados os limites mínimo e máximo do salário de contribuição.”

Ainda o § 11 do art. 55, da IN 971 de 2009 diz que:

“A partir de 1º de abril de 2003, independentemente da data de filiação, o salário de contribuição para o ministro de confissão religiosa ou membro de instituto de vida consagrada, de congregação ou de ordem religiosa, desde que o valor despendido pela entidade religiosa ou pela instituição de ensino vocacional, em face do seu mister religioso ou para a sua subsistência, independa da natureza e da quantidade do trabalho executado, é o valor por ele declarado, observados os limites mínimo e máximo do salário de contribuição.”

Nessa sequência, o artigo 12 da IN RFB 971 de 2009 nos diz que mesmo o ministro religioso aposentado deve fazer o recolhimento do INSS (20%), como contribuinte individual, observados os limites mínimos e máximos do salário de contribuição:

“O aposentado por qualquer regime de previdência social que exerça atividade remunerada abrangida pelo RGPS é segurado obrigatório em relação a essa atividade, nos termos do § 4º do art. 12 da Lei nº 8.212, de 1991, ficando sujeito às contribuições de que trata a referida Lei.”

Entendemos que uma possível alternativa para o recolhimento do carnê do INSS com base na categoria de contribuinte individual poderia ser o Plano Simplificado de INSS da RFB. O Plano Simplificado é uma forma de inclusão previdenciária com percentual de contribuição reduzido, passando de 20% da remuneração para 11% do valor do salário mínimo vigente, resultando em uma significativa redução da contribuição individual ao INSS.

Ressalta-se que a possibilidade de implementação do Plano Simplificado se deu a partir da publicação da Lei Complementar nº 123/2006, com efeitos a partir de abril/2007 (Decreto nº 6.042/2007). Assim, segundo as informações disponíveis no site do INSS do governo federal, esse Plano Simplificado se aplica exclusivamente à categoria de contribuinte individual que trabalha por conta própria e não seja prestador de serviço à empresa ou equiparada, e também ao facultativo, que é aquele que não exerce atividade.

“Tanto o contribuinte individual quanto o facultativo poderão fazer os pagamentos neste plano desde que utilizem os códigos de pagamento específicos para esta alíquota de contribuição. As contribuições do Plano Simplificado são válidas para todos os benefícios previdenciários, exceto:

1. Aposentadoria por Tempo de Contribuição;

2. Certidão de Tempo de Contribuição (CTC) expedida somente para servidores públicos concursados, efetivos, que estejam vinculados a Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios.

Se após o recolhimento no plano simplificado, houver interesse de contar esse tempo de contribuição para um dos casos acima, deverá ser feita a complementação da contribuição mensal, mediante o recolhimento de mais 9% sobre o valor do salário mínimo que serviu de base para o recolhimento, acrescido de juros moratórios. O cálculo dessa diferença e a geração da guia para pagamento somente será possível em uma das agências da Previdência Social.

O contribuinte individual e o facultativo que pagam o INSS através do plano normal de contribuição (alíquota de 20%) poderão, a qualquer momento, optar pelo pagamento neste plano simplificado (alíquota de 11%), bastando alterar o código de pagamento no momento de preencher a Guia da Previdência Social (GPS).

A mesma situação se aplica ao que estiver recolhendo nesse plano simplificado e quiser voltar para o plano normal.”

Destacamos ainda que há uma linha tênue entre a interpretação da forma de remuneração recebida por trabalho (mesmo que na igreja) e a remuneração especificada exclusivamente como verbas para pagamento aos ministros religiosos para sua sustentação, com base na atividade exercida de forma vocacionada.

Assim, é importante ressaltar que há intepretações no sentido de ultrapassar o entendimento sobre a remuneração de caráter de trabalho exclusivamente religioso, passando para a classificação de vínculo empregatício com base nas regras da CLT. Nesse sentido, o TST reconheceu judicialmente o vínculo de emprego, em voto do ministro Alexandre Agra Belmonte, condenando uma organização religiosa a indenizar todas as verbas trabalhistas provenientes da comprovada relação de emprego. Destaca-se que na 1ª Instância, no TRT da 9ª Região, o pedido foi julgado improcedente, sendo esta decisão judicial reformada através de voto unânime dos ministros da 3ª turma do TST.

Assim, é de suma importância a definição clara, técnica e formal, por meio da escrituração contábil adequada das organizações religiosas e o correto preenchimento e envio das declarações acessórias pertinentes – tanto por parte das organizações quanto por parte dos ministros – sobre os recursos repassados aos ministros de confissão religiosa. Com isso exclui-se, ou minimiza-se fortemente, a possibilidade de recolhimento tributário indevido e de questionamentos futuros.

Por: Régis Monteiro Ferreira e Warley de Oliveira Dias

Fonte: filantropia.ong

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