Para 86% dos brasileiros, progresso está condicionado à redução das desigualdades

O Brasil segue sendo um dos países mais desiguais do mundo. Os desafios são profundos e as desigualdades vão além de renda e crises econômicas e fiscais. Pela primeira vez nos últimos 15 anos, a redução da desigualdade de renda parou no Brasil, e também pela primeira vez em 23 anos a renda das mulheres retrocedeu em relação à dos homens.

Há sete anos a proporção da renda média da população negra brasileira se encontra estagnada em relação à dos brancos. Além disso, em 2016, retrocedemos 17 anos em termos de espaço para gastos sociais no orçamento federal. Os dados fazem parte do relatório País Estagnado: um retrato das desigualdades brasileiras 2018, da Oxfam Brasil.

Para conhecer a percepção de brasileiros e brasileiras em relação a esses e outros desafios e contribuir com o debate sobre a redução das desigualdades, a instituição encomendou ao Instituto Datafolha a segunda edição da pesquisa Nós e as Desigualdades – a primeira edição foi realizada em 2017.

O estudo mostra que ao menos oito em cada dez brasileiros acreditam que o progresso do país está condicionado à redução das desigualdades. Além disso, a confiança da população na responsabilidade do Estado para enfrentar as desigualdades é maioria. Há apoio para uma tributação justa, que aumente a carga no topo da pirâmide, e um anseio por políticas públicas universais e de correção de desigualdades sociais e regionais.

O papel da cor da pele na definição da renda, na contratação por empresas, na abordagem policial e no tratamento dado pela justiça também aparece com força. A discriminação de gênero segue presente na percepção de brasileiras e brasileiros. De 2017 para cá, há um crescimento na percepção do racismo e machismo na sociedade.

“Só avançaremos no combate às desigualdades se os temas do racismo, da discriminação de gênero e do respeito à diversidade, da discriminação pelo endereço de moradia e do assassinato de jovens de periferia tiverem a mesma urgência que os temas econômicos e fiscais”, defende Katia Maia, diretora-executiva da Oxfam Brasil.

Oded Grajew, presidente do Conselho Deliberativo da Oxfam Brasil, avalia que “há um descompasso entre as percepções da sociedade sobre as desigualdades e a agenda política do país”. A expectativa da organização é que a pesquisa sirva para abrir discussões sobre a importância do papel do Estado no enfrentamento das desigualdades.

Achados

Os dados da pesquisa foram coletados nacionalmente entre os dias 12 e 18 de fevereiro deste ano. Entre os destaques do estudo está o fato de que a grande maioria dos brasileiros (86%) acredita que o progresso do Brasil está diretamente ligado à redução da desigualdade econômica entre ricos e pobres.

Quando questionados sobre renda, 85% dos brasileiros acreditam pertencer à metade mais pobre do país. 53% acham que o valor da renda mensal para a pessoa ser classificada como pobre é entre R$ 700 e R$ 1.000. Entre os entrevistados com renda mensal acima de cinco salários mínimos, 19% acreditam que a pobreza vai até as pessoas com rendimento de R$ 2.000 e para 11% desse grupo, o teto é R$ 5.000.

Chama atenção a baixa adesão a um projeto de Estado mínimo para o Brasil, já que 84% da população defende ser responsabilidade dos governos diminuir a diferença entre muito ricos e muito pobres, ante 79% em 2017.

No quesito tributação, 94% concordam que o imposto pago deve ser usado para beneficiar os mais pobres do país. Além disso, 77% dos brasileiros defendem o aumento de impostos para as pessoas muito ricas a fim de financiar políticas sociais, ante 71% em 2017.

Os entrevistados deram nota de zero a dez a alternativas para redução das desigualdades. Combate a corrupção ganhou média 9,7. Investimento público em saúde, maior oferta de emprego e investimento público em educação ficaram com média 9,6. Além disso, fé religiosa, educação e saúde foram consideradas as três principais prioridades para ter mais qualidade de vida, eleitas por dois em cada três brasileiros.

A influência do racismo e do machismo

Ainda segundo a pesquisa, 64% dos brasileiros afirmam que as mulheres ganham menos só pelo fato de serem mulheres – na primeira pesquisa, de 2017, eram 57%. 86% discordam que mulheres deveriam se dedicar somente a cuidar da casa e dos filhos e não trabalhar fora.

Já a parcela dos que concordam que a cor da pele interfere no nível de rendimentos aumentou de 46% para 52% no mesmo período. 72% acreditam que a cor da pele influencia a contratação por empresas; 81% que influencia a decisão de uma abordagem policial; e 71% concordam que a Justiça é mais dura com negros.

Para Rafael Georges, coordenador de campanhas da Oxfam Brasil, o estudo tem uma importância central para o debate que está sendo feito hoje no país sobre a questão fiscal, as contas públicas e quanto recurso o Estado tem para dar em saúde, educação e assistência para quem mais precisa. “Para a Oxfam, o caminho para o enfrentamento desses desafios deve contemplar políticas sociais inclusivas, direitos sociais garantidos, respeito aos direitos humanos no seu conceito amplo e aprofundamento da democracia”, observa.

Desigualdades: imaginário brasileiro e políticas públicas

Os resultados do estudo foram repercutidos por diversos especialistas durante semináriorealizado no dia 9 de abril, em São Paulo. Após a apresentação dos principais achados da pesquisa, o evento contou com dois painéis que debateram o imaginário brasileiro e as desigualdades.

Jailson de Souza e Silva, fundador do Observatório de Favelas e diretor da Universidade Internacional de Periferias, ressaltou a importância da disputa de narrativas para a construção de novos paradigmas, necessários para o enfrentamento das desigualdades. “Uma questão relevante nesse debate diz respeito à ideologia meritocrática. Não é que as pessoas não têm consciência das desigualdades, mas elas naturalizam o problema e vêem a alternativa individual como caminho para a solução”. Para o especialista, a única forma de enfrentar o problema da desigualdade é que a solução possa vir também da periferia.

Para Esther Solano, socióloga e pesquisadora na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), o estudo permite identificar uma janela de oportunidade no que se refere ao papel do Estado. “Em um momento de ataque ao Estado e desvalorização e criminalização da política, a população quer políticas públicas, as pessoas querem Estado, isso ficou evidente nas respostas sobre universalização dos serviços de educação e saúde. Há um consenso contra o Estado mínimo, que justamente está sendo imposto de cima para baixo pelo atual governo. Mas nós estamos perdendo a oportunidade da contranarrativa. A narrativa que está vencendo é a do Estado mínimo, da individualização e do mérito”, observou.

Entre as medidas para o enfrentamento das desigualdades, Luana Passos, economista e pesquisadora na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), aponta dentro do arco da reforma tributária acabar com a isenção de lucros e dividendos, algo que só existe no Brasil e na Lituânia e que arrecadaria 40 bilhões de dólares. Segundo a pesquisadora, a medida teria um impacto positivo em torno de 55% na capacidade redistributiva do imposto de renda de pessoa física.

Marta Arretche, cientista política e pesquisadora na Universidade de São Paulo (USP) e no Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), salientou como caminho realmente efetivo no combate às desigualdades as políticas públicas e destacou os avanços na redução das desigualdades nos últimos 25 anos e a importância de defender a manutenção das políticas que promoveram essas conquistas, entre as quais a política do salário mínimo.

“Estudos mostram que 40% da queda das desigualdades no Brasil entre 1995 e 2015 foi devido ao valor do salário mínimo. O que tem sustentado famílias nesses tempos de crise são as aposentadorias e pensões. Assim, o salário mínimo foi importante tanto para o crescimento quanto para evitar o aprofundamento social da crise.”

Para a cientista política, a disputa se dá a propósito das políticas públicas, mas esses são temas mais opacos para a maioria da população, que tem pouco conhecimento sobre que tipo de política produz mais resultados. “São temas que deveríamos popularizar. A meu ver, atualmente, deveríamos estar discutindo intensamente a reforma previdenciária, por exemplo.”

Flávia Oliveira, jornalista da Globonews e CBN, ressaltou a necessidade de se discutir políticas públicas universais sob a ótica de gênero e raça. “De modo geral, o debate orçamentário só é feito sob a ótica financeira. Precisamos de escola e de qualidade de ensino, mas para alcançar quem? Isso tem que estar comportado, inclusive no debate sobre corte e teto de gastos. Esse debate precisa ser feito com carimbos e segmentações para alcançar a efetividade das políticas públicas”, defendeu.

Fonte: gife.org.br

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