Organizações da sociedade civil (OSCs) relataram dificuldades na obtenção de cadastros públicos de famílias em situação de vulnerabilidade durante a pandemia. Por isso, muitas fizeram o caminho inverso e investiram em realizar seus próprios cadastros. Esse exemplo mostra o potencial dos dados para a atuação social. O tema é foco do artigo Uso de Dados do Setor Social: Aprendizados na Pandemia e Caminhos para a Interoperabilidade, que integra a série de publicações Estudos Emergência Covid.
Escrito por Bruno Barroso, cofundador do Nexo Investimento Social, da plataforma Prosas e membro do Grupo de Conhecimento do GIFE, o texto analisa características, desafios e legados da coleta, tratamento e disponibilização de dados para a sociedade no contexto da pandemia.
O artigo se debruça sobre quatro iniciativas: o Monitor das Doações, da Associação Brasileira de Captadores de Recursos (ABCR); o mapeamento de iniciativas de enfrentamento da Covid-19, um dos eixos do projeto Emergência Covid-19, do GIFE; o relatório Os primeiros 60 dias de Covid-19 no Brasil em 60 fatos, reflexões e tendências em filantropia, investimento social e no campo de impacto social, da ponteAponte; e a pesquisa Impacto da Covid-19 nas OSCs Brasileiras, organizada por Mobiliza e Reos Partners.
Desafios comuns
Apesar de contarem com objetivos diferentes, o fato de trabalharem com dados durante a situação de emergência fez com que as iniciativas enfrentassem desafios semelhantes logo no início: a forma orgânica com que foram criadas, com coletas manuais de dados contabilizados em planilhas, sem qualquer tipo de automação na etapa de pesquisa, coleta e sistematização das informações.
Outro desafio relatado diz respeito a como a ausência de uma classificação utilizada por todo o setor. Como classificar, por exemplo, uma organização de cunho religioso que atua com cultura ou assistência social?, exemplifica trecho do artigo. Além disso, a falta de transparência dos doadores e investidores sociais e as limitações para entender o real destino, uso e impacto dos recursos também foram identificadas como desafios a serem enfrentados pelo campo.
Bruno observa que a conversa com os representantes das iniciativas mostrou que algumas estavam buscando dados iguais ou bastante semelhantes, replicando esforços para um mesmo objetivo, algo que já acontecia antes da pandemia.
Recorte do momento
Mesmo com o esforço de algumas pesquisas em coletar e sistematizar informações do terceiro setor e investimento social no Brasil, o autor pontua a ausência de bases de dados públicas, que poderiam contribuir com novos estudos e, assim, tornar a produção de conhecimento mais barata e fácil, considerando que o levantamento de dados primários é oneroso e retrata apenas um recorte de todas as ações desenvolvidas.
“O Monitor das Doações, particularmente, me chamou muita atenção porque foi a primeira vez que tive a sensação de que tínhamos um retrato atualizado quase em tempo real dos números do investimento social e da filantropia no Brasil”, explica.
Para o especialista, o país não conhece, de fato, o real cenário de investimentos na área social e investir nessas informações é fundamental para o avanço de algumas pautas, como a evolução da cultura de doação, por exemplo.
Potência do trabalho com dados
Se o trabalho de reunir dados de campanhas e doações começou de forma manual e espontânea, a Associação Brasileira de Captadores de Recursos (ABCR) investiu e contou com algumas contribuições para aprimorar e lançar uma nova versão da plataforma, com mais categorizações. João Paulo, da ABCR, explica que agregar mais qualidade à informação mapeada e manter a doação no debate público é uma forma de incentivar que mais pessoas e grandes empresas falem sobre o tema e sobre quanto estão doando de forma clara.
“Quando não temos referência alguma, ficamos no discurso, na ideologia, no achismo. O Monitor nos permitiu ter números concretos e indicadores reais de comparação das doações mês a mês e isso serviu como uma referência muito boa para, inclusive, falar da importância de mais pessoas doarem e também sobre o tamanho da generosidade brasileira.”
O acompanhamento dos dados permitiu ainda aprendizados e experiências que podem ser usadas em situações futuras, como em eventuais emergências, com a possibilidade de estruturar melhor novas campanhas de captação de recurso e incentivo da generosidade e também comparar com as ações realizadas em outros momentos, como na pandemia de Covid-19.
União de esforços
As conversas e análises produzidas a partir das quatro iniciativas geraram alguns encaminhamentos trazidos pelo artigo, como a proposta de interoperabilidade de bases de dados para potencializar o trabalho com dados no setor social brasileiro.
Bruno comenta que já existem muitas informações sistematizadas, como o Mapa das OSCs, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), as bases de dados públicas, as plataformas de crowdfunding, o prêmio Melhores ONGs, o Prosas, os próprios investidores sociais e muitas outras fontes de informação. A ideia, portanto, é fazer com que elas conversem entre si e otimizem o trabalho.
Para isso, é necessário observar três aspectos. Do ponto de vista organizacional, é importante que as organizações que vão trocar informações contem com políticas de cooperação e conheçam os processos de trabalho uma da outra. Já o ponto de vista semântico diz respeito à forma como serão abordados conceitos e terminologias, que devem ser padronizados e compartilhados entre todos os envolvidos. Por fim, na questão da interoperabilidade técnica, estão contidos aspectos relacionados aos dispositivos, interfaces de sistema, formatos dos dados, protocolos, plataformas e outras questões tecnológicas.
“A interoperabilidade de dados é uma maneira de fazer com que as diversas ilhas de dados troquem informações. Na minha visão, se tivéssemos essa interoperabilidade no Brasil, algo que acho aplicável para a realidade do investimento social e da filantropia, poderíamos criar uma grande base de dados organizada sobre o campo, o que seria um insumo maravilhoso, tanto para quem quer gerar conhecimento e pesquisas, quanto para os próprios gestores pensarem e planejarem suas ações”, defende Bruno.
“Sabendo das dificuldades, podemos utilizar melhor as ferramentas, contatos, parcerias e redes que já temos para alavancar nosso próprio trabalho na construção de um setor que cresce, nos conhecendo mais e melhor e gerando mais recursos para impactar a sociedade”, completa João Paulo.
O artigo Uso de Dados do Setor Social: Aprendizados na Pandemia e Caminhos para a Interoperabilidade pode ser acessado na íntegra neste link.
*Essa reportagem integra a Série Conhecimento Emergência, uma sequência de textos destinados a explorar cada um dos artigos e estudos produzidos no âmbito do eixo 5 (Apoio ao acompanhamento e análise do conjunto das ações mobilizadas) da iniciativa Emergência Covid-19, uma iniciativa do GIFE.
Por: Gife
Fonte: gife.org.br