Mulheres refletem sobre liderança feminina no terceiro setor

No terceiro setor, as mulheres representam 62% das pessoas que realizam trabalho voluntário e 51% dos cargos de liderança

As mulheres têm dificuldades de competir com os homens em representatividade na maioria dos ambientes. No mercado de trabalho, elas ganham em média 19% a menos que os homens, segundo uma pesquisa da economista Laísa Rachter, do Ibre. No Congresso Nacional, ocupam 15% dos cargos.No terceiro setor, no entanto, elas têm maior representatividade. No Brasil, elas representam 62% das pessoas que realizam trabalho voluntário, segundo a Pnad Contínua de 2019.  Elas ainda dominam os cargos de liderança no setor, representando 51% da categoria, segundo uma pesquisa de 2017 do Grupo de Institutos Fundações e Empresas (GIFE).

Entre as mulheres que ocupam posições de liderança no terceiro setor está a cientista política e pesquisadora Letícia Medeiros, cofundadora da ONG Elas no Poder. A organização trabalha para aumentar a participação das mulheres na política e fortalecer suas atuações nos espaços de poder políticos. 

A ONG foi fundada em 2018, depois que Letícia e Karin, a outra cofundadora, lançaram uma empresa de pesquisa para aproveitar o ano eleitoral e atuar nas campanhas políticas. “Logo no início, nos vimos imersas, mais uma vez, no mundo dos homens brancos privilegiados. Percebendo que as mulheres candidatas não conseguiam ter acesso aos serviços de pesquisa, decidimos criar um projeto para apoiar campanhas de mulheres”, conta Letícia.A pesquisadora conta que sofreu discriminação por ser mulher quando trabalhava no setor corporativo, onde tinha a função de levantar dados e produzir análises para impactar positivamente negócios milionários, liderados por homens brancos, também milionários. 

“O machismo e teto de vidro que eu percebia não apenas na empresa onde eu trabalhava, mas nas outras empresas que eu tive contato nesse período, eram muito desanimadores”, diz Letícia, descrevendo que sentia que trabalhava para a manutenção do status quo.

Felizmente, a experiência como líder na ONG teve um caminho diferente. Para ela, o momento mais difícil foi durante o começo dos trabalhos na organização, quando ainda estavam entendendo quem eram os potenciais parceiros e aliados naquela jornada. 

Letícia relata que o processo foi importante para ela entender que, na posição de líder no terceiro setor, é necessário separar o lado pessoal ativista da atuação profissional.

“Eu, pessoa física, ativista, posso escolher investir tempo e energia para dialogar com pessoas que não acreditam que existe desigualdade de gênero e ainda possuem uma série de comportamentos machistas, etaristas”, explica Letícia. “Porém, a pessoa jurídica, a ONG, precisa se apoiar e se aliar junto a pessoas e organizações que já validam a sua causa”, acrescenta.

Assim ela aprendeu que, se ela for desrespeitada durante uma reunião como representante da ONG, é um sinal de que aquela pessoa, ou a organização que ela representa, não tem alinhamento com causas e valores que a Elas No Poder defende, e, portanto, não faz sentido buscar uma parceria. “Assim que entendemos isso, o “sofrimento” de não ser validada em determinados espaços praticamente acabou”, conclui Letícia.

A experiência de Milla, uma das líderes do projeto Absorvendo Amor, também tem sido positiva. Ela acredita que, por ser um projeto voltado para o público feminino, as vozes das mulheres são bem ouvidas. 

A ONG Absorvendo Amor é um projeto que foi fundado em 2018 por um grupo de meninas, com o objetivo de ajudar outras meninas no Rio de Janeiro que não têm acesso a produtos de higiene íntima. Desde sua concepção, a organização já doou mais de 200 mil absorventes.

Originalmente, o projeto atuava apenas em escolas públicas, mas tem se expandido para atingir cada vez mais comunidades no Rio de Janeiro, e até em São Paulo. Para Milla, o fato de a ONG ser dirigida por jovens é um obstáculo maior que a discriminação por gênero. 

Milla percebe a necessidade de sensibilidade especialmente nos momentos das entregas dos produtos. “A gente não vai lá, doa e vai embora. A gente vai, conversa com as meninas, é uma oportunidade de conhecer elas, conhecer a realidade delas”, relata. 

Tanto Milla quanto Letícia acreditam que  é fundamental que tais projetos sejam liderados por mulheres, porque é preciso pensar as soluções para os problemas sociais a partir de visões, perspectivas e vivências de mundo compartilhadas.   

“Se o nosso público alvo são mulheres, é essencial que as soluções criativas dentro dessas organizações também sejam formuladas por mulheres”, argumenta Letícia. “Além disso, é muito importante entender que não existe homogeneidade entre as mulheres, portanto o perfil diversificado de mulheres existentes na sociedade também precisa constar dentro dessas organizações sociais”, conclui.

Por: Laura Patta

Fonte: observatorio3setor.org.br

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