Com a mudança climática sendo cada vez mais reconhecida como um “multiplicador de ameaças” por cientistas, representantes políticos e sociedade civil em todo o mundo, o Conselho de Segurança das Nações Unidas realizou um debate aberto para discutir seu impacto concreto sobre a paz e a segurança internacionais. Os presentes também debateram maneiras tangíveis de amenizar os efeitos do aquecimento global.
“A relação entre riscos relacionados ao clima e conflitos é complexa e frequentemente perpassa fatores políticos, sociais, econômicos e demográficos”, disse Rosemary DiCarlo, subsecretária-geral da ONU para Assuntos Políticos.
“Os riscos associados a desastres relacionados ao clima não representam um cenário de algum futuro distante. Eles já são realidade para milhões de pessoas em todo o globo – e eles não vão embora”, destacou.
O encontro aconteceu quase dois meses após as 197 partes da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, UNFCCC, concordarem em uma maneira concreta de implementar o Acordo de Paris de 2015 – que busca manter aquecimento global abaixo de 1,5°C em relação a níveis pré-industriais – e antes da Cúpula do secretário-geral sobre o Clima, convocada para 23 de setembro deste ano.
Risco climático: debater ou não debater?
Se mudança climática é uma questão que deveria ou não ser examinada pelo órgão de paz e segurança da ONU tem sido um assunto controverso.
Alguns Estados-membros acreditam que isto tira espaço de outras entidades da ONU, com mandatos específicos para desenvolvimento social e econômico, ou para proteção ambiental.
O primeiro encontro do Conselho de Segurança para examinar os vínculos entre mudança climática e insegurança aconteceu em abril de 2007.
Desde então, o órgão da ONU tem dado cada vez mais passos que reconhecem efetivamente que os dois assuntos são relacionados: em julho de 2011, outro debate aberto sobre a questão foi realizado; em março de 2017, a resolução 2349 foi adotada, destacando a necessidade de responder aos riscos relacionados ao clima para responder ao conflito no Lago Chade; em julho de 2018, um debate sobre “entendimento e resposta a riscos de segurança relacionados ao clima” foi realizado.
Em um sinal da importância da discussão para muitos países, o debate teve a presença de mais de 70 Estados-membros e incluiu declarações de dezenas de ministros na câmara do Conselho, incluindo do Kuwait, Bélgica, Indonésia, Alemanha e Polônia.
“Acompanhando o desafio”
Após citar as diversas maneiras nas quais as missões políticas regionais ou nacionais da ONU já estão buscando ativamente meios de responder aos riscos de segurança relacionados ao clima, DiCarlo insistiu sobre a necessidade de focar em três áreas de destaque:
A primeira é desenvolver a capacidade analítica mais forte com panoramas integrados de avaliação de riscos; a segunda, coletar bases mais fortes de evidências para que práticas positivas sobre prevenção e gerenciamento de riscos climáticos possam ser replicadas em campo. E, finalmente, construir e reforçar parcerias para impulsionar capacidades existentes dentro e fora do Sistema ONU.
“Mais importante, para todos nós, é o reconhecimento de que atos devem seguir palavras. Grandes exércitos e empresas há tempos reconheceram a necessidade de se preparar para riscos relacionados ao clima, avaliando corretamente mudança climática como um multiplicador de ameaças”, disse a chefe política da ONU.
“Não podemos ficar para trás. Nós precisamos agir agora, com um senso de urgência e um compromisso de colocar pessoas, especialmente as mais marginalizadas e vulneráveis, no centro de nossos esforços”, afirmou.
O administrador do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), Achim Steiner, também fez observações, por telefone. Ambientalista de formação, Steiner destacou que a mudança climática “não está só afetando a atmosfera, mas também a biosfera” e que o mundo “não está acompanhando o desafio”.
Ele pediu para o Conselho de Segurança para reconhecer a ciência e evidências empíricas, impulsionar todas as medidas possíveis que possam retardar o aquecimento global e investir em adaptação climática e redução de riscos para milhões de pessoas que já sofrem com os efeitos da mudança climática.
Steiner citou alguns dos diversos projetos realizados pelo PNUD em cerca de 140 países, incluindo um sistema de gestão de água nas Maldivas, o desenvolvimento de um índice de vulnerabilidade para facilitar prontidão e um esquema de apoio financeiro para moradias vulneráveis no Caribe.
Cientistas e jovens irão aconselhar o Conselho
Pela primeira vez em sua história, a Organização Meteorológica Mundial (OMM) foi convidada para informar membros do Conselho sobre assuntos envolvendo clima e condições meteorológicas extremas.
O professor Pavel Kabat, chefe científico da OMM, apresentou claros dados científicos ao debate.
“Mudança climática tem uma infinidade de impactos à segurança – reduzindo os ganhos em nutrição e acesso a alimentos; elevando o risco de incêndios florestais e exacerbando desafios à qualidade do ar; aumentado o potencial para conflitos por água; levando a maior deslocamento interno e migração”, disse. “Isto é cada vez mais visto como uma ameaça de segurança nacional.”
Ele destacou que a OMM está pronta para apoiar a ONU e Estados-membros com “ciência de ponta” e “informação especializada” para que decisões informadas possam ser feitas.
Antes de o plenário ser aberto para membros do Conselho de Segurança, uma representante jovem e pesquisadora sobre segurança ambiental, Lindsay Getschel, foi convidada a discursar.
Ela foi ao encontro com três pedidos ao órgão da ONU: uma resolução reconhecendo oficialmente mudança climática como uma ameaça à paz e à segurança internacional; o segundo, uma avaliação sobre como mudança climática impacta juventudes locais – como por exemplo, através de deslocamento, desemprego, insegurança alimentar e recrutamento em grupos armados; e uma redução da dependência de energia de combustíveis fósseis em missões da ONU pelo mundo e compromisso de que 50% da energia usada sejam de fontes renováveis até 2025, com relatos regulares ao secretário-geral para monitoramento do progresso.
Ela finalizou lembrando aos presentes que muitas pessoas pelo mundo “não têm o luxo de se importar com este assunto” e pediu para líderes mundiais “cumprirem suas palavras”.
Fonte: nacoesunidas.org