Recentemente, Eduardo Tugendhat, moderador da última edição do Palladium Positive Impact Summit – cúpula anual que reúne executivos, governos e investidores para compartilhar ferramentas e abordagens que respondam às necessidades mais urgentes do mundo – publicou um artigo sobre o que é realmente necessário para mudar uma realidade bastante comum a negócios de impacto e ações voltadas ao desenvolvimento inclusivo e sustentável: a maioria das iniciativas não consegue se tornar autossustentável.
Como caminho possível para enfrentar esse desafio, o autor aponta a necessidade da figura do ‘investidor catalisador’,cujo papel é contribuir com um olhar sistêmico para a iniciativa e para as possíveis armadilhas que podem surgir ao longo da jornada empreendedora.
Para repercutir essa reflexão, o redeGIFE conversou com Diogo Quitério e Samir Hamra, gestores de programas do Instituto de Cidadania Empresarial(ICE), que há 20 anos atua com o propósito de reunir empresários e investidores em torno de inovações sociais que possam alavancar investimentos pessoais, corporativos e filantrópicos com a finalidade de gerar impacto social positivo, duradouro e de grande alcance para a sociedade, contribuindo para a redução da pobreza e da desigualdade social. Desde 2014, o ICE tem como eixo principal de sua atuação o tema de Investimentos e Negócios de Impacto.
Confira a seguir a entrevista.
redeGIFE: Quais são os principais desafios para a autossustentabilidade das iniciativas no campo dos investimentos e negócios de impacto?
Diogo Quitério e Samir Hamra: É importante diferenciarmos o campo dos negócios de impacto das organizações da sociedade civil. Independente da sua natureza jurídica, os negócios de impacto precisam ter um modelo de negócio que vise a geração de receita própria por meio da venda de produtos e/ou serviços, sem depender de doações, mesmo que possam recebê-las em diferentes etapas de sua jornada como ajudas pontuais.Nesse contexto, existe o desafio de estruturação de um modelo de negócio em si – identificação de cliente, segmentação, acesso a mercados, precificação, gestão de receitas e despesas, etc. – que, quando mal resolvido, pode inviabilizar a operação do empreendimento. Certamente também há a demanda de injetar capital – seja de doação, empréstimo ou investimento – nos negócios de impacto, mas o obstáculo maior é atingir um patamar recorrente de vendas que permita ao negócio se sustentar financeiramente e ter lucro – que pode ou não ser distribuído, dependendo da estrutura legal adotada.
redeGIFE: Quais são os passos necessários para enfrentar esses desafios?
D. Q. e S. H.: Aprimorar o modelo de negócio e buscar parceiros corretos para injetar capital (financeiro, intelectual e contatos de acesso a mercados) em momentos diferentes da jornada de amadurecimento do negócio. Uma ferramenta que pode ser útil ao empreendedor é o Modelo C, que une a essência do Business Model Canvas e da Teoria de Mudança para permitir ao empreendedor enxergar o impacto no centro do seu modelo de negócio. Esse material promove reflexões importantes no processo de desenvolvimento de um modelo de negócio de impacto, como a relação entre o problema que se busca resolver e uma oportunidade de mercado e a relação entre clientes e público impactado.
redeGIFE: Qual é o papel da mensuração e avaliação do impacto para o incremento da sustentabilidade dos negócios?
D. Q. e S. H.: O monitoramento adequado de indicadores de impacto é tão importante quanto os indicadores econômico-financeiros para o bom desenvolvimento de um negócio de impacto. Sem isso, há riscos de não promover a mudança a que se propõe junto a seu público impactado, não se sustentar financeiramente ou, em última instância, quebrar. A mensuração de impacto também é essencial para que os empreendedores reforcem para seus investidores, apoiadores e clientes que a solução proposta é realmente eficiente e merece ser fomentada. Além disso, reforça ainda a relação entre receita e impacto: quanto mais produtos e serviços vendidos, mais receita para o negócio e mais impacto gerado; e mais impacto gerado também é um indicador de que há mais vendas e mais receitas.
redeGIFE: Que dicas vocês dariam a um empreendedor que está enfrentando dificuldades para alcançar a autossustentabilidade de seu negócio, que já passou por essa situação ou para aquele que está pensando em iniciar um negócio de impacto?
D. Q. e S. H.: Primeiro, é importante ter a clareza de estar enfrentando um problema real por meio de uma solução de mercado e ter consumidores dispostos a pagar por ela. Em segundo lugar, estudar formatos mais inovadores para alinhar a geração de receita ao impacto, repensando, algumas vezes, quem é o cliente e quem é o beneficiário. Há um estudo bastante interessante sobre isso lançado há pouco pelo Sense-Lab, com apoio do ICE. Outro ponto é que o empreendedor deve ser muito consciente sobre a relevância dos recursos filantrópicos ao longo de sua jornada – quer seja na sua estruturação, sua entrada em novos mercados, seus ciclos de inovação, etc. -, mas que essa não seja uma parte fundamental de suas receitas.
redeGIFE: E para o investidor? O que ele deve levar em consideração na hora de empreender uma jornada de investimentos de impacto?
D. Q. e S. H.: Primeiro, é importante que o investidor tenha uma tese própria sobre o impacto que ele pretende gerar, eventualmente priorizando alguns setores ou perfis de negócios que gostaria de fomentar. Isso permite que ele busque mais informações – sobre um setor específico como saúde ou conservação ambiental, por exemplo – e possa comparar oportunidades de investimentos com algumas características comuns. É importante também que esse investidor tenha sensibilidade para entender a jornada do empreendedor e avaliar que tipo de capital e em quais condições seria mais benéfico para o amadurecimento do negócio de impacto. E nem sempre é um investimento direto. Às vezes, o mais importante é que o empreendedor receba um smart money (aporte financeiro acompanhado de apoio em mentoria e conexões com o mercado). Por fim, sendo um investidor de impacto, é importante que ele também se comprometa em monitorar o impacto efetivamente gerado pelos negócios investidos e apoiar o empreendedor no desenho e implantação de uma estratégia de monitoramento.
Fonte: gife.org.br