Imunidade X Isenção

Entenda a diferença entre o direito à imunidade e o direito à isenção.

Em 2010, a Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (CONFENEN) ajuizou ação direta de inconstitucionalidade contra os artigos 1º, 13, com seus parágrafos e incisos; 14 e parágrafos 1º e 2º; 18 e parágrafos 1º, 2º e 3º; 29 e seus incisos; 31 e 32 e seu parágrafo 1º. A ação foi autuada como ADI 4480.

Em síntese, a confederação alegava que havia vício formal nos dispositivos, pois buscavam tratar do direito a imunidade por meio de lei ordinária, agindo em clara ofensa ao artigo 146, II e 195, § 7º, do texto constitucional, e, ainda, vício material, pois buscavam reduzir o conceito de entidade beneficente de assistência social para alterar o alcance a imunidade.

Inicialmente, devemos registrar que a União não está impedida de conceder o benefício fiscal da isenção das contribuições sociais. Afinal, cada ente público pode isentar o pagamento do tributo que está autorizado a instituir pela Constituição da República. No caso das contribuições sociais, não seria diferente.

Portanto, ainda se faz necessário distinguir o benefício da imunidade do benefício da isenção. Em primeiro lugar, a imunidade estará sempre prevista no texto constitucional, enquanto a isenção, até por força do artigo 150, § 6º, da Constituição da República, estará sempre prevista em lei ordinária. A imunidade é uma vedação ao poder de tributar, e a isenção é o exercício do poder de tributar, pois o ente público somente poderá conceder a isenção nos casos em que está autorizado a instituir o tributo.

Para Paulo de Barros, não há a menor semelhança entre os dois institutos do direito:

“Quanto ao mais, uma distância abissal separa as duas espécies de unidades normativas. O preceito de imunidade exerce a função de colaborar, de uma forma especial, no desenho das competências impositivas. São normas constitucionais. Não cuidam da problemática da incidência, atuando em instante que antecede, na lógica do sistema, ao momento da percussão tributária. Já a isenção se dá no plano da legislação ordinária. Sua dinâmica pressupõe um encontro normativo, em que ela regra de isenção, opera como expediente redutor de abrangência dos critérios da hipótese ou da consequência da regra matriz do tributo”.

Talvez pudéssemos atribuir a confusão entre imunidade e isenção à redação do artigo 195, § 7º:

Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:   

(…)

§ 7º São isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei.

No entanto, desde 1995 a Suprema Corte decidiu que, na verdade, o benefício fiscal contido no artigo acima é o da imunidade.

Ainda nos causa estranheza vermos colegas do direito, sejam eles advogados, magistrados e desembargadores, tratando uma norma que foi instituída para fins de dispor sobre a certificação das entidades beneficentes de assistência social e regular os procedimentos de isenção de contribuições para a seguridade social, dentre outras coisas, como se tivesse sido publicada para fins de regulamentar o direito a imunidade. Não é razoável essa confusão, pois há um abismo enorme entre imunidade e isenção.

Para nós, em momento algum a Lei nº 12.101/09 foi criada para regulamentar a imunidade, até porque, em momento algum ela se refere a esse benefício.

Não cabe ao intérprete da norma jurídica dar a ela destinação diversa do que quis o legislador.

Nesse sentido, defendemos a constitucionalidade da norma para os fins que foi promulgada, qual seja, dispor do benefício da isenção, impondo como condição para o gozo do benefício da isenção a necessidade de se obter a certificação do CEBAS. Essa conclusão decorre também da leitura do artigo 176, do Código Tributário Nacional – Lei nº 5.172/66:

Art. 176. A isenção, ainda quando prevista em contrato, é sempre decorrente de lei que especifique as condições e requisitos exigidos para a sua concessão, os tributos a que se aplica e, sendo caso, o prazo de sua duração.

Por outro lado, o benefício fiscal da imunidade, por força do artigo 146, II, do texto constitucional, deve ser regulamentado por lei complementar.

Esse entendimento ficou ainda mais reforçado com o julgamento do RE 566.622, pela Suprema Corte, que originou o Tema 32 de Repercussão Geral:

“A lei complementar é forma exigível para a definição do modo beneficente de atuação das entidades de assistência social contempladas pelo art. 195, § 7º, da CF, especialmente no que se refere à instituição de contrapartidas a serem por elas observadas.”

Em nossa opinião, a Suprema Corte foi clara ao afirmar que, para fins de regulamentação da imunidade, compete a lei complementar definir o modo beneficente de atuar e impor a exigência de contrapartidas.

O julgamento da ADI 4480 reforça o entendimento do Tema 32, haja vista que a Suprema Corte, entendendo que a Lei nº 12.101/09 é uma pretensão da União de regular a imunidade por lei ordinária, afastou os artigos que pretendiam definir o modo beneficente de atuar e impor exigências à fruição do benefício fiscal.

O mesmo entendimento se deve ter no tocante aos artigos que impõem condições para a certificação das entidades beneficentes que atuam na área da saúde. Contudo, a Suprema Corte não se manifestou nesse sentido, pois não houve pedido.

Por fim, ao analisar o mérito da ADI 4480, a Suprema Corte reconheceu a inconstitucionalidade formal do art. 13, III, §1º, I e II, §§ 3º e 4º, I e II, §§ 5º, 6º e 7º; do art. 14, §§ 1º e 2º; do art. 18, caput; e do art. 31 da Lei 12.101/2009, com a redação dada pela Lei 12.868/2013, e declarou a inconstitucionalidade material do art. 32, § 1º, da Lei 12.101/2009.

Com essa decisão, para aqueles que possuem ou querem obter o Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social, não mais poderão ser impostas as exigências contidas nos referidos dispositivos, em especial nos artigos 13, 14, na área da educação; e, artigo 18 caput, para a assistência social.

O artigo 31, que reconhecia o direito a isenção apenas a contar da publicação da certificação, também foi declarado inconstitucional. Assim como o artigo 32, § 1º, que determinava a suspensão imediata do direito a isenção em caso de constatação do descumprimento de qualquer dos requisitos para a fruição do benefício fiscal da isenção.

Para a fruição da imunidade, como há muito defendemos, basta o preenchimento dos requisitos contidos no artigo 14, do Código Tributário Nacional. Inclusive, a decisão proferida pelo STF ao julgar a ADI 4480 reforça esse entendimento.

Por fim, é certo que aquelas organizações da sociedade civil que atuam nas áreas da saúde, educação e assistência social possuem o direito maior a imunidade. Por isso, não deveriam se contentar com o árduo caminho para a obtenção de um direito menor que é a isenção.

Por: Renata Lima e Guilherme Reis, da Lima&Reis Sociedade de Advogados

Fonte: filantropia.ong

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