Todo projeto começa com uma ideia, uma necessidade ou uma oportunidade. No setor comercial ou no industrial, essa ideia é analisada e avaliada antes de se transformar em um business case que, quando aprovado, dará início ao projeto e se tornará a base do desenvolvimento de todas as suas fases.
Neste caso, a razão de existir do projeto é uma necessidade da própria empresa ou de um cliente: seja para expandir o negócio, remodelar um processo ou atividade, ou tornar realidade a ideia de um setor de inovação e desenvolvimento.
Projetos sociais, por outro lado, surgem para resolver problemas e suprir a necessidade de uma comunidade. Por isso, seu ciclo de vida começa muito antes do business case, na fase de Identificação e Desenho do Projeto.
Nos dois casos, identificar e entender as necessidades que devem ser atendidas determinará se o projeto desenvolvido é o certo, o mais apropriado e que irá gerar os resultados ou mudanças sociais, de fato, esperadas.
Projetos comerciais e industriais
As principais metodologias de gestão do setor privado definem “projeto” como uma forma de entregar valor para uma organização, a partir de uma ideia ou necessidade. Muitas vezes, essa ideia é validada apenas superficialmente antes da aprovação do business case.
O projeto de desenvolvimento de um novo aparelho celular, por exemplo, pode ser concebido sem ainda ter sido validado como necessidade do mercado. Estudos de viabilidade do novo aparelho e de tendências tecnológicas provavelmente serão elaborados para validar a ideia. Porém, projetos dessa natureza visam, na verdade, criar necessidade de consumo em vez de atender a uma demanda coletiva.
Na mesma direção encontram-se projetos que atendem a uma necessidade interna, como a reestruturação de um processo da organização, por exemplo. Eles se baseiam na necessidade de modernização ou no aumento de eficiência da empresa, não necessariamente na dos funcionários e usuários.
O Chaos Report (The Standish Group International) um relatório que apresenta um panorama da gestão de projetos em diversos setores, como governamental, bancário, financeiro, saúde, indústria, serviços e telecomunicações indicou que a falta de contribuição de informações e especificações – por parte dos usuários/clientes – bem como os requerimentos incompletos, são as duas principais causas de falha do projeto (ou de insucesso do projeto).
O mesmo relatório mostrou que o envolvimento do usuário é o principal fator de sucesso. A necessidade do cliente ou empresa é adaptada e validada ao longo do ciclo de vida do projeto. Contudo, essa adaptação requer mais esforço e recursos na medida em que o projeto avança, como iremos analisar mais adiante.
A falha, no setor privado, em envolver os “beneficiários” de projetos desde sua concepção é, sem dúvida, uma característica que deve ser evitada no setor social.
Como nascem os projetos sociais
Assim como no setor corporativo, alguns projetos sociais são concebidos de forma equivocada, a partir de uma ideia ou necessidade da organização. Uma associação de bairro, que atende crianças e adolescentes no contraturno escolar, pode vir a desenhar um projeto para oferecer atividades esportivas e reduzir as faltas ou a evasão de beneficiários.
Mas… será que a escola já oferece atividades esportivas? Será que os adolescentes realmente estão motivados a participar delas? Quais esportes oferecem? Será que atividades de estudo complementar e preparação para o mercado de trabalho seriam mais atrativas? Indo um pouco mais a fundo: qual a origem do problema? Qual é a razão para as faltas, ou evasões, das atividades de contraturno?
O PMD Pro (Project Management for Development Professionals), guia de boas práticas para gestão de projetos sociais, estabelece que a primeira fase do ciclo de vida de um projeto é a Identificação e Desenho. Essa fase ocorre muito antes da aprovação formal para início do projeto, e permite definir as necessidades, explorar oportunidades, analisar o ambiente, cultivar relacionamento, gerar confiança, criar parcerias e alternativas de desenho para o projeto.
O desenvolvimento de todos esses aspectos – da definição da necessidade ao envolvimento de parceiros – é fundamental para garantir que a real necessidade da comunidade seja identificada de forma participativa. Assim, as chances de realizar o projeto certo são maiores. Além disso, a inclusão dos beneficiários e parceiros, desde a concepção do projeto, cria, neles, um sentimento de responsabilidade, fazendo-os assumir seus papéis na implementação e sucesso dele.
Na prática
As chaves para desenvolver o projeto certo são a escuta ativa, a aplicação de ferramentas de coleta de dados diretos, o mapeamento de parceiros (por meio de Diagramas de Venn e Mapa de Interesses das Partes Interessadas), e a identificação do problema central (por meio de técnicas como a da Árvore de Problemas).
Durante a coleta de dados, é preciso, porém, diferenciar necessidade de desejo. Ao visitar uma comunidade e iniciar o diálogo, podem-se coletar informações que representam expectativas e sonhos, muitas vezes não conectados com as necessidades reais. Corre-se o risco, uma vez mais, de realizar o projeto errado.
As necessidades sentidas, apresentadas pela comunidade, devem ser cruzadas com opiniões de especialistas (necessidades normativas) e comprovadas pela observação das ações da comunidade (necessidades expressas). Se possível, comparar o contexto e realidade com outras comunidades (necessidades comparativas) irá ampliar as chances de desenhar e desenvolver o projeto certo. Essas quatro categorias de necessidade são apresentadas pelo sociólogo americano Jonathan Bradshaw como os pilares para identificação de uma necessidade “real”.
Mas desenhar e desenvolver o projeto certo requer a participação dos beneficiários em muito além do que a simples coleta de dados. Como já indicado, outras ferramentas devem ser desenvolvidas, como a Árvore de Problemas e de Objetivos – sempre de forma participativa e abrangente.
Embora as abordagens participativas do desenho e do desenvolvimento do projeto possam requerer mais tempo e recursos, os beneficiários têm a oportunidade de assumir o controle de seu próprio processo de desenvolvimento e contribuir para o projeto desde sua concepção.
De onde vêm os recursos?
Se a identificação e desenho do projeto ocorrem antes de sua concepção e aprovação e, consequentemente, antes de qualquer recurso estar disponível, como custear toda a coleta e análise de dados?
Organizações de base comunitária podem realizar oficinas para validar as necessidades de projetos que já se encontram em andamento. Essas oficinas podem ser atividades previstas nos projetos em curso – o que será muito bem recebido pelos doadores e financiadores, já que garantem o monitoramento participativo dos resultados alcançados pelo projeto.
Essas mesmas oficinas permitem identificar necessidades para novos projetos. Se o público-alvo para novas iniciativas é diferente dos projetos em curso, podem-se prever eventos de mobilização ou celebração, para que as famílias dos beneficiários, ou mesmo outras pessoas da comunidade, possam ser convidadas.
Mas se sua organização pretende desenvolver um projeto em uma comunidade onde ainda não existem projetos em curso, a solução é contatar financiadores que custeiem a identificação e desenho, reservar recursos próprios ao longo do tempo, ou buscar parcerias na comunidade para realização das atividades de coleta de dados.
Gerenciando mudanças
Todo projeto sofrerá mudanças – mesmo aqueles cuja identificação e desenho tenham sido desenvolvidos como este artigo recomenda. O contexto da comunidade evolui, mudanças políticas e econômicas ocorrem, desastres naturais e outros riscos podem surgir. Além disso, ao passo que o projeto é desenvolvido, aprende-se mais com a comunidade, levando a revisar questões do escopo/qualidade, orçamento/recursos e tempo/cronograma.
Entretanto, quando a implementação do projeto começa (a equipe é contratada, as atividades se iniciam, os orçamentos são alocados e os resultados/produtos começam a se tornar tangíveis) o custo da mudança aumenta, e essas alterações se tornam bem mais difíceis de gerenciar.
Em outras palavras, gerenciar mudanças no projeto durante as fases iniciais requer menos recursos e é mais eficaz. Esse é um argumento que pode ser utilizado ao negociar com doadores os recursos para a realização de uma identificação e desenho do projeto de forma apropriada.
Se a necessidade de mudanças ocorrer em uma fase muito avançada do projeto, pode ser inviável ajustá-lo – seja por custo elevado ou porque já se aproxima de seu fim.
Um projeto desenhado e implementado a partir de uma ideia que não corresponde à necessidade real da comunidade, sem envolvimento dos beneficiários e dos parceiros locais, e sem a possibilidade de um gerenciamento de mudanças eficaz ao longo de sua execução estará, provavelmente, caminhando na direção errada e não conseguirá alcançar seus resultados e objetivos.
Por: Edson Marinho
Fonte: filantropia.ong