As Organizações da Sociedade Civil (OSCs) são agentes estratégicos na composição e no controle de políticas estruturais. No Brasil, foram essenciais no período da redemocratização (1980-1990) para a consolidação de avanços sociais. Hoje, têm grande legitimidade nas localidades onde estão inseridas, já que são peças fundamentais no quebra-cabeça de políticas que precisam ser cada vez mais intersetoriais e articuladas nos territórios.
O número de associações sem fins lucrativos cresceu significativamente no país ao longo dos anos. O financiamento proveniente de organismos internacionais até a década de 90 foi fundamental para esse salto. Na medida em que a economia brasileira se fortaleceu, na entrada do novo milênio, esses organismos passaram a deslocar seus recursos para outros países com maior necessidade de aporte financeiro. A pesquisa Sustentabilidade das ONGS no Brasil – acesso a recursos privados (2010), da Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais (ABONG), demonstrou que, entre 2003 a 2007, o total de organizações que tinham entre 81% e 100% de seus orçamentos cobertos por cooperação internacional reduziu em 66%. Esse vácuo foi parcialmente preenchido por doações empresariais ou por outros convênios com o poder público. Com esse panorama vieram novos desafios.
A trajetória das empresas no campo social passou por distinções entre o escopo da Responsabilidade Social Corporativa e da Filantropia que, mais tarde, daria lugar ao conceito de Investimento Social Privado (ISP). Calcado na ideia de que o trabalho social necessitava ir além da caridade, esse emprego de capitais buscou amparar-se em balizas estratégicas para que os programas alcançassem os resultados almejados.
Na intenção de tornar os investimentos mais eficientes, esforços para aprimoramento da gestão dos recursos e resultados passaram a ser palavras de ordem para os investidores. Fato que contribuiu para que a parceria entre organizações sociais de base territorial e os institutos e fundações empresariais se tornasse uma difícil equação, já que para as empresas as OSCs têm dificuldades em responder aos mecanismos de gestão, ao passo que, para as organizações, as empresas não são capazes de compreender o cenário multifacetado em que elas estão imbricadas.
Outros aspectos tensionam ainda mais essa relação. O relatório Benchmarking do Investimento Social Corporativo – BISC – 2017, que considerou respostas de 268 empresas e 18 institutos/fundações empresariais, aponta um aumento de 25% entre os que afirmam investir tendo como premissa o alinhamento ao negócio, no período de 2013 a 2016. Esse movimento parece consolidar-se entre os investidores, embora as empresas reconheçam os riscos desse direcionamento. Um deles é o da escolha dos territórios de atuação sob a ótica da presença das empresas e não em decorrência dos indicadores sociais locais. Nesse cenário, territórios de alta vulnerabilidade social que não possuem estruturas empresariais seriam ainda mais enfraquecidos.
Outro risco é em relação às temáticas. Ao priorizar a composição de uma carteira de projetos aderente aos negócios, afasta-se ainda mais a possibilidade de investimento nas organizações como um todo, que, muitas vezes, abrigam agendas diversificadas para lidar com as necessidades comunitárias.
Projetos operados diretamente pelo investidor são outro fator que pesa nessa balança. Apesar de não ser recente, essa forma de implementar programas sociais parece ter crescido no setor. A esse respeito, 72% dos respondentes do Censo Gife 2016 afirmaram executar diretamente seus programas. Esse dado está em consonância com o fato de que os recursos destinados ao apoio de OSCs diminuíram de 29%, em 2011, para 21%, em 2016.
O apoio financeiro a projetos, em detrimento ao apoio institucional, também é uma prática comum. Segundo dados do censo GIFE 2016, 58% dos respondentes apoiam programas de OSCs a partir de linhas programáticas pré-estabelecidas.
Por outro lado, para as OSCs, elementos que estão relacionados ao fortalecimento institucional, como captação de recursos, prestação de contas e demonstração de resultados, figuram como as principais áreas de dificuldade na relação com investidores. Contraditoriamente, é nesse aspecto que há menos investimento no setor. Apenas 24% dos 116 investidores respondentes apoiam OSCs institucionalmente, ainda conforme o Censo Gife 2016.
Se dependência financeira é apenas um dos três aspectos apontados pelas empresas em relação às dificuldades de trabalho com as organizações sociais, juntamente com prestação de contas e avaliação (BISC 2017), a sustentabilidade financeira ocupa praticamente todas as posições no ranking de preocupações das OSCs.
Para organizações sociais, enfrentar questões que orbitam a gestão não passa apenas pela luta por recursos, mas também pelo convencimento da sociedade de que resolver entraves institucionais são tão importantes quanto realizar o atendimento às comunidades, já que este é o alicerce que a mantém em funcionamento.
A impossibilidade de investir em estruturas de recursos humanos, comunicação, planejamento, inovação, monitoramento de resultados e sustentabilidade econômica é uma grande pedra no sapato que, há anos, impede organizações sociais de avançarem em suas missões. A partir desses aspectos, fica evidente que é preciso compor uma nova concepção de gestão que reconheça não só as dimensões operacionais, mas também políticas envolvidas nesse processo.
Para iniciar uma trajetória nesse sentido é urgente repactuar as bases da relação entre OSCs e investidores. Mais autonomia financeira para as organizações, associada à coresponsabilidade pelos resultados entre todos os envolvidos, são centrais para potencializar a capacidade de agir de estruturas e sujeitos com potencial para serem referências no desenvolvimento de metodologias geradoras de transformações sociais.
O papel do investidor social privado, além de prover recursos, é o de possibilitar espaços de troca entre as organizações, identificar convergências e assessorá-las naquilo que identificam como demandas prioritárias. Entre os desafios, está também o de assumir maior risco de fracasso em um primeiro momento, em prol de um potencial de inovação contido nas soluções emergentes do campo, que podem trazer resultados sociais mais consistentes em longo prazo. Trata-se de reconhecer e fomentar iniciativas lideradas por grupos mais atingidos pela desigualdade, considerando as camadas econômicas, raciais, culturais, geográficas e de gênero.
Ao deslocar o status quo verticalizado das parcerias entre investidores e OSCs, trabalha-se para que práticas de gestão democrática sejam cada vez mais comuns nas instituições, aproximando-as do que são por essência: lócus de produção social e cultural grafado pela experiência das comunidades onde atuam.
Por: Angela Dannemann, Fernanda Zanelli
Fonte: filantropia.ong