Em São Paulo, 93% das mortes de crianças e adolescentes por síndrome respiratória aguda grave são de moradores de periferias e comunidades de baixa renda.
Apesar de idosos e pessoas com doenças pré-existentes serem as principais vítimas da Covid-19 no Brasil e no mundo, o Brasil vem registrado um número crescente de mortes de crianças e adolescentes.
Um levantamento realizado pela Agência Pública revelou que a maior parte dos menores de idade vítimas da Covid-19 residia nas periferias, favelas ou bairros pobres das capitais do país.
De acordo com o Boletim Epidemiológico Especial divulgado pela Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, entre as mortes notificadas no país, 141 se referem a pessoas menores de 19 anos. O número pode parecer baixo, mas deve-se levar em conta a baixa taxa de testagem, a subnotificação e, mais recentemente, a ocultação dos dados sobre a doença.
Os dados que não convergem
Dentro do grupo de menores de idade, as principais faixas etárias afetadas pela doença são as de menores de um ano de idade, com 41 mortes, e entre pessoas de 15 a 19 anos, com 25 óbitos registrados. No entanto, outras ferramentas públicas de dados divulgaram números maiores em relação à mortalidade de crianças e adolescentes.
O Portal da Transparência, uma ferramenta do Registro Civil brasileiro, reúne informações sobre as certidões de óbitos e já levantou que são 56 mortes de crianças menores de 9 anos no país e 313 mortes na faixa etária de 10 a 19 anos de idade, um total de 369 mortes.
Para se aproximar de um número mais próximo do real, foram investigados os casos de crianças e adolescentes hospitalizados no país por Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG), doença que pode se desenvolver por meio do coronavírus.
Dados brutos de uma das planilhas do DataSus, feitas pelo Sistema Único de Saúde (SUS), foram mapeados pela Agência Pública e mostraram que existe uma maior predominância de óbitos e internações entre crianças e adolescentes do que as que aparecem nos registros oficiais.
Ao desconsiderar os casos de SRAG relacionados ao vírus da gripe, o Influenza, e quadros causados por fatores não-virais, há o registro de 225.164 hospitalizações por SRAG durante a pandemia no Brasil, a maioria resultando em internações e um aumento de 30% em relação ao mesmo período em 2019.
Os menores de 19 anos representam 8% dos registros de hospitalizações por SRAG. Em pouco mais de duas semanas a hospitalização de crianças e adolescente aumentou 2% em comparação aos registros totais. Do total de casos de crianças e adolescentes hospitalizados por SRAG, 754 vieram a óbito.
Para traçar um panorama entre as capitais com mais casos da Covid-19, os casos de internações e óbitos de crianças e adolescentes foram cruzados com os Códigos de Endereçamento Postal (CEP) dos hospitalizados.
O objetivo era descobrir se havia relação entre o endereço com o aumento das hospitalizações. Apenas os casos até 18 de maio foram analisados, uma vez que os dados posteriores disponibilizados pelo DataSus deixaram de incluir o CEP.
As cidades neste cenário
Em São Paulo foi observado, por exemplo, que 93% das mortes de crianças e adolescentes causadas por Síndrome Respiratória Aguda Grave, relacionadas à Covid-19 ou sem motivo identificável, foram de moradores de bairros em regiões periféricas ou de baixa renda.
Ao menos 50 das 54 mortes registradas até a data em questão eram de menores moradores da periferia ou de regiões de baixa renda. No total, 3 destas mortes ocorreram no bairro Cidade Tiradentes e 4 no distrito de Parelheiros.
O bairro de Cidades Tiradentes já apresentava um dos priores índices de mortalidade infantil da cidade, cerca de 17,9 por mil bebês nascidos vivos, de acordo com o Mapa da Desigualdade 2019, realizado pela Rede Nossa São Paulo.
Além disso, a idade média ao morrer na região é de 20 anos a menos do que a idade média ao morrer em Moema, bairro de alto padrão na capital. Em Cidade de Tirantes, 80% da população depende do SUS.
O Portal da Transparência mostra que São Paulo é o estado com o maior número de óbitos infantis por Covid-19, com 14 vítimas até o momento. O Rio de Janeiro não fica atrás, com 8 mortes, mas fica à frente quando se trata dos adolescentes, com 57 vitimas, contra 55 entre os adolescente paulistas.
Além dos fatores que são consequências diretas da pobreza, como o menor acesso à assistência médica, outros apresentam históricos mais complexos.
Algumas comorbidades que se mostram determinantes em casos de complicações decorrentes da Covid-19 entre jovens também são predominantes nas classes mais baixas, como a obesidade de crianças e adolescentes de classes mais baixas, que consomem mais produtos processados.
Raça, campo ignorado
A cor da pele também impacta no número de hospitalizações. Crianças e adolescentes negros (somatória entre pretos e pardos) são os mais hospitalizados por SRAG, com 7.134 casos. Entre os brancos, foram 6.271 hospitalizações.
Em relação aos óbitos, a variável é semelhante. São 303 mortes de menores de idade pretos e pardos, contra 237 brancos da mesma faixa etária. As crianças indígenas também vêm sendo impactadas, com 134 hospitalizações e 17 de mortes, uma relação de 12% de mortalidade.
Vale salientar que o critério “raça” foi marcado como “ignorado” ou mesmo não preenchido em 4.925 das hospitalizações e 189 dos óbitos.
Essa variação também é apresentada no Boletim Epidemiológico divulgado pelo Ministério da Saúde. A porcentagem de crianças negras entre os casos notificados de SRAG confirmados pela Covid-19 é de 55,3%, contra 42,6% de crianças brancas e 1,7% de indígenas.
Por: Mariana Lima
Fonte: Agência Pública / observatorio3setor.org.br