Coordenada por Graciela Hopstein, doutora em Política Social, a Rede Filantropia de Justiça Social foi criada há cerca de seis anos com o objetivo de promover e fortalecer a cultura da filantropia de justiça social no Brasil. Em entrevista à Revista Filantropia, Graciela explica o papel da Rede frente às OSCs brasileiras e comenta a necessidade de apoiá-las a partir de doações e do desenvolvimento e fortalecimento de capacidades.
Revista Filantropia – Conte-nos como a Rede Filantropia para Justiça Social foi criada.
Graciela Hopstein – A Rede Filantropia é um coletivo que reúne sete fundos e três fundações comunitárias. Ela começou a se estruturar em 2012, mas a iniciativa de criar uma rede de fundos independentes é anterior a essa data; ela surgiu em meados dos anos 2000, quando começaram a aparecer grupos de instituições brasileiras interessadas em financiar organizações da sociedade civil (OSCs). Naquele momento em que acontecia a retirada da cooperação internacional, bem como do financiamento internacional no país, começaram a surgir iniciativas de fundos que passaram a buscar novas formas locais de financiamento para as OSCs brasileiras, para preencher o vácuo deixado pela cooperação.
Filantropia – Qual é o objetivo da Rede?
Graciela – Nossa missão é promover e diversificar a cultura da filantropia no Brasil, e auxiliar o trabalho de grantmaking, que é o apoio financeiro às organizações da sociedade civil, para que haja mais recursos, em especial para aquelas que trabalham nas áreas de justiça social e direitos humanos. Portanto, a Rede visa fortalecer as OSCs que trabalham com direitos humanos, questões raciais, socioambientais, de gênero, justiça social, mudança climática, saúde e desenvolvimento comunitário.
Filantropia – Como a Rede funciona? Ela é procurada por outras organizações ou há publicação de editais?
Graciela – Nosso trabalho está voltado a pensar de forma conjunta e colaborativa sobre como promover debates e discussões vinculados à filantropia e à justiça social, diversificando essa cultura e, basicamente, falando sobre a necessidade de promover o grantmaking. Nosso trabalho como rede está muito mais vinculado com a promoção de conhecimento, criação de debates, troca de experiências internas, organização de seminários, participação em mesas e seminários nacionais e internacionais.
Em relação à publicação de editais, até agora não lançamos um edital conjunto, mas isso não quer dizer que não pode vir a acontecer.
A Rede é hoje um espaço de articulação entre seus membros, e com parceiros importantes que atuam no campo. Temos parcerias relevantes com o Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (Gife), o Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (Idis) e com redes internacionais como Worldwide Initiatives for Grantmaker Support (Wings), Human Rights Funders Network e Edge Funders. Contamos, portanto, com articulações nacionais e internacionais.
Nosso trabalho, como rede, é muito mais trabalhar com parcerias estratégicas do que no apoio direto. Os fundos da Rede, por sua vez, trabalham no apoio direto às OSCs. A Rede é, muitas vezes, procurada por organizações que querem chegar até os fundos. Por exemplo, quando surge alguém interessado em conhecer uma organização atuante na área de defesa de gênero, ele é direcionado ao Fundo Social Elas; ou apoio na área de saúde, então eu direciono para o Fundo PositHIVo. Esse tipo de procura sempre tem, mas a procura maior é por articulação estratégica no campo da filantropia.
Filantropia – Pensando em articulação estratégica, então, a Rede faz a ponte entre uma instituição e outra.
Graciela – Na verdade, fazemos mais do que isso, embora “ponte” seja um conceito interessante. O que fazemos é um trabalho coletivo de produzir conhecimentos, criar articulações estratégicas com financiadores, com parceiros nacionais e internacionais. Nossa missão é um pouco mais complexa, porque, na realidade, nos interessa influenciar no campo filantrópico e estimular a cultura da filantropia de justiça social no Brasil. Por sermos uma rede, um coletivo, temos condições de dar visibilidade ao trabalho de filantropia de justiça social em alguns fóruns nacionais e internacionais.
Filantropia – Vocês conseguem mensurar o impacto da Rede nas organizações beneficiadas?
Graciela – Não temos a dimensão do impacto da Rede (ainda é muito cedo para falar de números), mas temos alguns dados que nos ajudam a ter uma ideia a respeito, com base no quanto as organizações-membro da rede doaram para a sociedade civil. Entre os anos 2000 e 2017, essas organizações doaram, de forma direta, ou seja, por meio de repasse financeiro, um total de R$ 146.895.761,29 para 10.669 organizações não governamentais e movimentos sociais no Brasil. Em relação às doações indiretas, ou seja, os repasses feitos pelos fundos para formação e capacitação de equipes, eventos e publicações, por exemplo, em 2016 foram investidos
R$ 5.392.681,98 e, em 2017, R$ 6.025.998,96.
Filantropia – Há algum tipo de acompanhamento das organizações auxiliadas?
Graciela – Essa atividade fica a cargo dos fundos; eles fazem diretamente o monitoramento e a avaliação da aplicação dos recursos destinados às OSCs.
As principais etapas desse acompanhamento passam pela seleção, formação e desenvolvimento de capacidades, aspecto muito importante, porque, como a maioria dos fundos apoia pequenas e médias organizações da sociedade civil, muitas vezes elas não estão preparadas para gerir projetos complexos ou uma quantidade importante de recursos financeiros. Também a troca de experiências ou promoção do trabalho em rede para fazer parcerias, para trabalhar de forma articulada com outros atores e promover diálogos com stakeholders que atuam nas diversas áreas são atividades estratégicas desenvolvidas pelas organizações-membro. Esse programa de fortalecimento de capacidades, diálogos, seminários e formações representa atividades estratégicas para as organizações da Rede, bem como as ações de monitoramento e avaliação. Essas atividades são fundamentais também para valorizar e potencializar os conhecimentos das OSCs – o capital imaterial – para que elas reconheçam seus potenciais e ativos nas áreas e territórios de atuação.
O monitoramento pode ser feito de diversas formas pelos fundos; alguns focam mais em dados estatísticos, outros fazem um monitoramento mais qualitativo por meio de análises de relatórios apresentados pelas OSCs apoiadas, ou baseiam-se em visitas, entrevistas. Independentemente do modo escolhido para esse monitoramento, é um trabalho muito importante de ser feito, uma vez que permite avaliar resultados e impactos do apoio. Depois, há ainda a prestação de contas, que faz parte do processo. Todas as organizações entregam relatórios de atividades e prestam contas sobre como gastaram os recursos recebidos.
Filantropia – No tocante à capacitação, este continua sendo um gargalo para as organizações do Terceiro Setor?
Graciela – Capacitação de equipe é um grande desafio nas organizações brasileiras. Essa defasagem é claramente notada na área de gestão de projetos. Eu diria que grande parte do problema das organizações passa, em certa medida, por esse quesito: como gerir um projeto, como avaliar, como mobilizar recursos. Muitas organizações são realmente boas, conhecem muito bem as temáticas, os territórios, os atores-chaves, têm conhecimentos importantes sobre redes, mas têm esse gargalo.
Acredito que as organizações da Rede fazem esse trabalho de desenvolvimento de capacidades muito bem, porque, depois de gerir um projeto apoiado por algum dos fundos, elas estão mais aptas a buscar outros financiamentos. Isso é uma das coisas que a gente observa bastante. Para muitas organizações, os fundos são o primeiro apoio e, depois disso, elas começam a ter mais fôlego para procurar novas fontes de financiamento, porque já estão qualificadas para isso.
Filantropia – Como a Rede é mantida? Há mantenedores ou os fundos fazem esse papel?
Graciela – Temos as duas situações. Os fundos da Rede contribuem com anuidades, e também procuramos recursos com financiadores para projetos específicos, como uma pesquisa que queremos fazer, um seminário, uma publicação. Os recursos da Rede que vêm das anuidades servem para mantermos o funcionamento básico, uma vez que não temos muitas despesas. A Rede conta com uma equipe bastante enxuta.
Por: Paula Craveiro
Fonte: filantropia.ong