Compliance Officer nas Organizações da Sociedade Civil e a Captação de Recursos

Compliance é palavra largamente difundida no Brasil em língua estrangeira. Advinda do inglês “to comply with”, tem sido usada em português para designar “conformidade legal” ou “integridade”. 

Compliance é palavra largamente difundida no Brasil em língua estrangeira. Advinda do inglês “to comply with”, tem sido usada em português para designar “conformidade legal” ou “integridade”. Nomenclatura comum no setor público e privado, também passou a ser utilizada no campo das organizações da sociedade civil. Não só quando a organização contratualiza com o Estado e opera com recursos públicos como parte de sua estratégia de sustentabilidade econômica, mas também quando recebe recursos privados de empresas e de indivíduos deve haver atenção para o tema do compliance na gestão.

É que a cultura de integridade gera benefícios internos e externos à organização, em especial, a confiança de financiadores, parceiros, colaboradores e beneficiários. É uma boa e relevante prática em organizações da sociedade civil. Principalmente as de médio e grande porte não podem se furtar desse movimento. Caracterizadas por serem de iniciativa privada não lucrativa e atuarem em finalidades de relevância pública e social, nem sempre as organizações têm recursos disponíveis para o investimento em programas de compliance.

É sabido, no entanto, que demonstrar esse compromisso com a probidade, preventivo e efetivo, contribui para o destaque da organização perante as demais e pode gerar uma diferenciação importante, inclusive na captação de recursos. Dessa forma, a estruturação ou incremento de programas de compliance tem se tornado uma das pautas prioritárias de financiamentos voltados para o desenvolvimento institucional. Cada vez mais tem sido exigência para confiança pública ter um programa de compliance estruturado que garanta conformidade e cumprimento de leis e princípios éticos em suas relações. Programa de Compliance ou de Integridade serve prioritariamente para evitar ilícitos e fomentar uma cultura de integridade no ambiente organizacional. Busca, além de promover valores e alinhamentos internos relevantes, prevenir e reduzir riscos.

A principal lei a ser considerada quando tratamos de compliance é a Lei Anticorrupção (LAC) – Lei nº 12.846/2013 – que dispõe sobre a responsabilização objetiva de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a Administração Pública, nacional ou estrangeira. Assim como vale para as empresas, a LAC também incide sobre as entidades privadas sem fins lucrativos. E, na mesma esteira, a existência efetiva de um programa de compliance constitui elemento de defesa relevante da organização por ser atenuante na eventual aplicação de sanções. Deve ser levada em consideração na gradação de pena no caso de apuração de responsabilidade da pessoa jurídica, conforme dispõe o art. 7, inciso VIII, da LAC.

E o que é um Programa de Compliance? O Decreto nº 11.129/2022 que regulamenta a Lei Anticorrupção, no art. 56, incisos I e II, conceitua programa de integridade como um conjunto de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e na aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta, políticas e diretrizes, com objetivo de prevenir, detectar e sanar desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos praticados contra a administração pública, nacional ou estrangeira. O mesmo decreto nos dispositivos seguintes trata dos parâmetros de efetividade do programa.

Para que a lógica preventiva e saneadora possa ser implementada, é fundamental a construção de regras customizadas e aderentes ao perfil da entidade para reger as relações definidas em Política e/ou Código de Ética e Conduta. Também se destaca a necessidade de estruturação do Canal de Denúncias. Esta “caixa de ferramentas” necessária precisa ser disponibilizada e apoiada pela alta gestão. Recomenda-se que a modelagem do programa tenha inspiração nos critérios de avaliação da Controladoria-Geral da União publicados no Manual Prático de Avaliação de Programa de Integridade em PAR[1].

Para que o compliance faça parte do dia a dia das organizações, deve ingressar na governança institucional. Para isso, é preciso ter alguém que mobilizará o tema internamente, um ponto focal para zelar pelo programa, a quem chamamos de Compliance Officer. Portanto, o Oficial de Integridade, ou Compliance Officer, pode ser uma única pessoa designada, formado por integrantes da organização ou pessoas convidadas para atuar com apoio ou não de um(a) consultor(ia) externo(a), e que será responsável pela implementação, monitoramento, avaliação e revisão do programa. No geral, sempre importante que haja um adjunto ou substituto na medida em que existem ausências temporárias como férias ou licenças de diversas.

No exercício do cargo, deve haver independência e autonomia para a consecução dos trabalhos. Dentro do organograma, a posição precisa ser estratégica e transversal, idealmente separada de outras funções, ou com tempo definido para cada função. Isso porque quanto mais tempo dedicado tiver este profissional mais será possível o cumprimento das obrigações e as formulações necessárias.

Esta ideia de autonomia suficiente para o desenvolvimento de suas tarefas dentro do programa de compliance, sem mandato específico, é defendida por vários autores.[2] Se funcionário da organização, o Compliance Officer deve ter delimitado em seu contrato de trabalho às suas responsabilidades e os limites de suas atuações. Independentemente do vínculo contratual, pode também ter escopo definido no ato de designação ou no seu termo de posse. Formalizar e publicizar o ponto focal responsável é parte relevante para a efetividade do programa.

Importante observar as diretrizes previstas na Lei de Conflito de Interesses que define no art. 3º, inciso I, da Lei 12.813/2013 o conflito como “a situação gerada pelo confronto entre interesses públicos e privados, que possa comprometer o interesse coletivo ou influenciar, de maneira imprópria, o desempenho da função pública”.  A pessoa que for desenvolver essa função na organização não pode, em hipótese alguma, ser parcial e agir em benefício próprio ou de outrem. Deve pensar com independência na saúde da organização e de todas as pessoas que a compõem.

Ainda, deve haver autoridade no desempenho da função, ou seja, a capacidade de fazer valer suas opiniões, posições e recomendações na organização e inclusive exercer o poder de oposição e apresentação de consequências caso as ações de compliance não sejam cumpridas ou sejam comprometidas por conflito de interesses. Para o desenvolvimento da função devem ser disponibilizados recursos humanos, tecnológicos e financeiros conforme o porte, estrutura de gestão e atividades estatutárias desenvolvidas.

Em suma, o Compliance Officer é responsável por assegurar que procedimentos da organização estejam de acordo com a legislação, normas internas e externas, e monitorar, sensibilizar e comunicar a efetividade do programa de compliance. Deve ser capaz de avaliar riscos internos e externos da organização para preveni-los e minimizá-los em qualquer âmbito, e propor soluções a eventuais ocorrências. Deve constantemente monitorar o programa para verificar sua efetividade e realizar ajustes necessários.

Dentre as suas atividades, deve desenvolver as práticas previstas no art. 57, do Decreto nº. 11.129/2022 e na ISO 37001, que basicamente são:

  • Criar padrões de conduta, políticas e procedimentos de integridade para os colaboradores e terceiros com quem a organização se relacione;
  • Desenvolver procedimentos específicos para a prevenção de fraudes e ilícitos em interações com o setor público, ainda que a relação seja intermediada por terceiros;
  • Identificar e propor soluções para gestão adequada de riscos;
  • Gerir o canal de denúncia, aberto e amplamente divulgado, e dar encaminhamento ao tratamento das denúncias e proteção aos denunciantes de boa-fé nos termos definidos na política;
  • Aplicar treinamentos e ações de comunicação periódicas para instruir os colaboradores da organização;
  • Realizar procedimentos preventivos e investigativos na contratação de fornecedores, prestadores de serviços e pessoas expostas politicamente;
  • Prever no programa de compliance as penalidades aplicáveis àqueles que descumprirem com as normas previstas ou que cometam ilícitos;
  • Monitorar continuamente o programa, a fim de realizar os ajustes necessários, de acordo com o dia a dia da organização e os casos concretos que surgirem ao longo do tempo.

As funções do Compliance Officer também podem ser alocadas em um Comitê de Ética e Integridade, colegiado que se responsabiliza na organização pelo tema, de forma interdisciplinar e estratégica. A principal competência é a mesma: desenvolver e consolidar uma cultura de integridade. Para as organizações da sociedade civil menos hierarquizadas e com deliberação mais coletiva, ter um Comitê pode fazer bastante sentido.

Em outra ocasião defendemos a possibilidade de ser estabelecido um Comitê de Integridade e Dados responsável por implementar, monitorar e agir em busca das finalidades do programa de compliance e de proteção de dados, regulamentado pela Lei nº 13.709/18 (Lei Geral de Proteção de Dados – LGPD), sendo uma solução interessante para a governança das entidades que implantam as duas camadas regulatórias ao mesmo tempo, conforme sugerido no artigo “LGPD e compliance: o encarregado de dados e o canal de denúncias nas organizações da sociedade civil”.

Especialmente na estruturação do canal de denúncias, é comum que as organizações busquem o suporte de consultorias e escritórios especializados. O apoio externo ajuda nas atividades de implementação do programa, desenvolvimento de políticas e adequação à legislação aplicável, mas também no recebimento de denúncias, investigação e preparação de subsídios para a tomada de decisão.

Cada vez mais exigências de transparência, integridade e controle das organizações da sociedade civil deixam de ser apenas de financiadores públicos, sendo também de financiadores privados, nacionais e internacionais. Incentivamos as organizações da sociedade civil a se desafiarem na implementação de programas de compliance, com a consequente designação do Compliance Officer que caiba em sua estrutura.

A credibilidade na gestão dos recursos e a legitimidade na atuação da organização podem ser potencializadas com a existência de um Programa de Compliance, gerando mais confiança e resultados positivos à sociedade. É o que se espera e se visualiza no crescimento do campo da sociedade civil organizada.

[1] Disponível em https://repositorio.cgu.gov.br/bitstream/1/46645/1/Manual_pratico_integridade_PAR.pdf Acesso em 08/09/2023.

[2] FRAGOSO, Alexandre. FRAGOSO, Fernanda. A responsabilidade penal do compliance officer nas organizações.1.ed. Belo Horizonte, São Paulo: Editora D’Plácido, 2020.

*A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião do Observatório do Terceiro Setor e da Lima&Reis .

Fonte: observatorio3setor.org.br

Autor: Laís de Figueirêdo Lopes e Thais Jeniffer Rocha

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