A escritora mineira Carolina Maria de Jesus se referia à fome como a “escravatura atual”, em seu livro “Quarto de Despejo”, lançado em 1960. 64 anos depois, o termo continua fazendo sentido. Em 2023, a fome atingiu mais de 700 milhões de pessoas no mundo.
No Brasil, em 2022, 33,1 milhões de pessoas no Brasil enfrentavam a insegurança alimentar e nutricional grave, em 2023 esse número caiu para 8,7 milhões. Buscando colocar o assunto no centro da agenda internacional, a presidência brasileira do G20 propôs a criação de uma Aliança Global contra a Fome e a Pobreza. A obtenção de recursos é um dos principais desafios.
O pré-lançamento da Aliança Global aconteceu em 24 de julho, na sede da Ação da Cidadania, no Rio de Janeiro. O objetivo do grupo é reunir recursos e conhecimentos para pôr em prática políticas públicas e as tecnologias necessárias para a mitigação da fome e pobreza no mundo. A iniciativa tem sido o principal movimento protagonizado pelo Brasil no G20. O país, que havia saído do Mapa da Fome da ONU em 2014, voltou a integrá-lo em 2022, período em que foi registrada a marca de mais de 125 milhões de brasileiros com algum nível de insegurança alimentar. A maioria são de pessoas negras.
“A Aliança representa um passo importantíssimo no enfrentamento da fome no mundo. O grupo servirá para coordenar ações, parcerias técnicas e formas de financiamento para executar políticas públicas nos países que aderirem à proposta”, explica Mariana Macário, gerente de Políticas Públicas da Ação da Cidadania, organização que lidera o GT “Sistemas Alimentares, Fome e Pobreza” no C20, junto à Govardhan Ecovillage.
Caminhos para investimentos
Prevista para ser lançada oficialmente em paralelo à Cúpula de Líderes do G20, em novembro deste ano, a Aliança Global tem entre seus principais desafios a efetivação de estratégias para a obtenção de recursos. Nesse sentido, a taxação das grandes fortunas, tema amplamente defendido pelo Brasil durante o G20, surge como alternativa importante. A ideia foi apresentada pelo Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, durante o pré-lançamento da Aliança Global.
De acordo com Haddad, se os bilionários pagassem 2% de suas fortunas em impostos seria possível arrecadar anualmente cerca de US$ 250 bilhões de dólares. “Aproximadamente, cinco vezes o montante que os dez maiores bancos multilaterais dedicaram ao enfrentamento da fome e da pobreza em 2022”, destacou o ministro.
“A Aliança será financiada com fundos já existentes, mas que hoje estão dispersos. O programa terá uma cesta de propostas com eficácia comprovada e pretende funcionar como uma plataforma para conectar, de um lado, países que se comprometam a implementar políticas públicas de erradicação da fome e, de outro, parceiros capazes de oferecer conhecimento técnico e apoio financeiro para colocá-las em prática”, detalha Mariana Macário.
A regularidade é fundamental
A Aliança Global conta com três pilares (Nacional, Financeiro e Conhecimento) que estão disponíveis para adesão por parte de grupos que queiram ser apoiadores, bem como assinar sua Declaração de Compromisso. Neles estão inclusos: governos nacionais, organizações internacionais, bancos multilaterais de desenvolvimento, centros de conhecimento, e filantropias. Sendo esse último grupo um aliado importante, como explica a gerente de Políticas Públicas do Ação da Cidadania.
“O cenário do financiamento do combate à fome no Brasil é bastante desafiador. As doações da iniciativa privada costumam ser elevadas em momentos de crise. Mas, passado o momento, esses aportes entram numa tendência de queda”, avalia Mariana Macário mencionando dados apresentados pelo Censo GIFE 22-23.
Em um panorama geral, as organizações associadas ao GIFE investiram R$4,8 bilhões em 2022, enquanto que, em 2020, período da pandemia de Covid-19, o montante foi de R$6,1 bilhões. “Os mecanismos de financiamento precisam ser suficientes, contínuos, e justos. Não podem ser pontuais ou flutuar ao sabor das circunstâncias. Devem ser robustos para chegarem de fato aos seus objetivos finais.”
Fonte: gife.org.br