O Pantanal e o Cerrado estão enfrentando no primeiro semestre deste ano as maiores queimadas já registradas em seus territórios.
No primeiro, foram 3.262 focos de incêndio detectados apenas entre 1º de janeiro e 23 de junho, 22 vezes mais que no mesmo período em 2023, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Especiais (Inpe). Já no Cerrado, são 12.097 focos desde o início do ano, um aumento de 32%. Esse é o maior número de focos de incêndio nos biomas desde 1988.
A coordenadora técnica do MapBiomas Fogo e pesquisadora do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), Vera Arruda, destaca três principais fatores que levaram a esse cenário:
- Mudanças Climáticas, considerando o aumento das temperaturas e a alteração dos padrões de precipitação, que criaram condições mais propensas ao fogo. O estudo “MapBiomas águas”, publicado no último dia 26 de junho, mostra que a superfície de água em todo o Brasil ficou abaixo da média histórica em 2023. O Pantanal é o bioma que mais secou ao longo da série histórica;
- Desmatamento e Uso do Solo: especificamente no Cerrado, o desmatamento e a expansão agrícola reduzem a umidade do solo e a cobertura vegetal;
- Fatores Humanos: a prática de queimadas para a limpeza de pastos e a expansão agrícola contribui significativamente para o aumento dos focos.
Gustavo Figueiroa, biólogo e diretor de comunicação do Instituto SOS Pantanal, lembra que quase 95% dos focos de incêndio na região no primeiro semestre do ano ficam em áreas privadas, e quase nenhuma queimada começou por causas naturais, segundo o programa BDQueimadas, do Inpe. Ele explica que, tanto o Pantanal quanto o Cerrado, têm resiliência ao fogo. O problema, é a intensidade que tem tomado grandes proporções devido à interferência humana.
“O Cerrado está sendo muito destruído pelo uso do solo, o que diminui a quantidade de água que desce para o Pantanal, que está secando. É um efeito em cascata. E as consequências são devastadoras”, aponta. Gustavo explica ainda que, no Pantanal muitas dessas áreas já queimaram antes, então a resiliência vai se perdendo e há uma diminuição da biodiversidade.
As consequências, destaca, se estendem para todos os setores, desde os animais que dependem desse habitat, a economia, saúde das populações locais que respiram a fumaça, aos proprietários de terras que perdem seus animais de criação e estruturas de fazenda. “O fogo é ruim para todo mundo”, completa.
A longo prazo, Vera Arruda alerta para consequências como a degradação do ecossistema, alterações climáticas regionais e que podem levar a desertificação, além do impacto nos recursos hídricos, já que a destruição das áreas de nascente e a redução da infiltração de água no solo prejudicam o abastecimento de rios e aquíferos.
Princípio da precaução
Nauê Bernardo, especialista em litígio estratégico do Observatório do Clima, ressalta que apesar dos recordes, os incêndios não são novidade. Portanto, houve insuficiência nas políticas públicas, que deveriam ter aplicado o princípio da precaução.
“Precisamos de agilidade maior na tomada de decisões, porque sequer chegamos ao pior da seca. Com as anomalias climáticas que temos pela frente, precisamos de políticas de Estado que considerem essa realidade como algo perene e tratem sempre considerando os piores cenários possíveis, porque se não vierem, teremos uma prevenção ou tratamento muito mais eficaz.” Nauê reforça que o dever de proteger o meio ambiente é de todos, e portanto, todos falharam.
No setor público, Vera Arruda defende que apesar da implementação de políticas de prevenção e combate ao fogo, ainda é necessário fortalecer a fiscalização. Já no investimento social privado (ISP), acredita que a contribuição pode ser significativa através do financiamento de tecnologias de monitoramento, educação ambiental e projetos de restauração ecológica.
Para Gustavo Figueiroa, o ISP pode contribuir utilizando sua influência no setor público em prol de políticas públicas. Além de apoiar organizações que atuam na prevenção e combate de incêndio. “O SOS Pantanal tem o programa Brigadas Pantaneiras, ajudamos a estruturar 24 brigadas, algumas delas estão em combate nesse momento, só que o custo é muito alto e 24 brigadas não ocupam nem 3% do território. Precisamos de mais investimentos.”
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Fonte: gife.org.br