Onde quer que haja conflitos, catástrofes climáticas, pobreza ou fome, são elas as que mais sofrem
A luta pelos direitos das mulheres nos últimos 50 anos é uma história de progresso.
As mulheres e as meninas demoliram barreiras, desmantelaram estereótipos e impulsionaram o progresso rumo a um mundo mais justo e igualitário.
No entanto o progresso está ameaçado, e a igualdade plena continua a anos-luz de distância, sendo que as crises mundiais afetam de forma mais severa as mulheres e as meninas. Onde quer que haja conflitos, catástrofes climáticas, pobreza ou fome, são elas as que mais sofrem. Tanto nos países desenvolvidos como nos países em desenvolvimento, tem havido uma reação contra os direitos das mulheres, incluindo seus direitos sexuais e reprodutivos, que impede e até reverte o progresso.
As novas tecnologias, que têm enorme potencial para desmantelar as desigualdades, agravam muitas vezes essa situação, seja pela desigualdade no acesso, por algoritmos com preconceitos enraizados ou pela violência misógina — que vai desde os deepfakes até o assédio dirigido a mulheres específicas.
Ao ritmo atual, a plena igualdade jurídica para as mulheres ainda estará a cerca de 300 anos de distância; o mesmo acontece com o fim do casamento infantil. Precisamos de igualdade agora. Isso significa acelerar o ritmo do progresso, que depende da ambição política e do investimento, tema do Dia Internacional da Mulher deste ano.
Precisamos de investimento público e privado em programas para acabar com a violência contra as mulheres, garantir o trabalho digno e impulsionar a inclusão e a liderança das mulheres nas tecnologias digitais, na construção da paz, na ação climática e em todos os setores da economia.
Devemos também apoiar urgentemente as organizações de direitos das mulheres para oferecer educação digital e desenvolver competências.
É necessário investimento para fornecer cuidados infantis que permitam aos prestadores de cuidados, que quase sempre são as mães, exercer um trabalho remunerado fora de casa para construir comunidades e sociedades inclusivas com a plena participação de mulheres e meninas.
Investir na igualdade é o que deve ser feito, mas também faz sentido financeiramente. Apoiar as mulheres a entrar nos mercados de trabalho formais faz crescer as economias, aumenta as receitas fiscais e expande as oportunidades para todas as pessoas.
Há três pontos necessários para garantir o investimento em mulheres e meninas.
Em primeiro lugar, deve-se aumentar a disponibilidade de financiamento acessível e de longo prazo para o desenvolvimento sustentável e combater a crise da dívida que estrangula muitas economias em desenvolvimento.
Caso contrário, os países simplesmente não terão fundos para investir nas mulheres e nas meninas. Precisamos de ações imediatas para dar fôlego aos países que estão prestes a pagar dívidas altíssimas e para incentivar os bancos multilaterais de desenvolvimento a promover muito mais financiamentos privados a custos acessíveis. A longo prazo, devemos reformar a arquitetura financeira internacional e torná-la muito mais sensível às necessidades dos países em desenvolvimento.
Em segundo lugar, os países devem dar prioridade à igualdade para as mulheres e as meninas, reconhecendo que a igualdade não é apenas questão de direitos, mas também a base de sociedades pacíficas e prósperas.
Por último, precisamos aumentar o número de mulheres em posições de liderança. Estou particularmente orgulhoso de, desde o início do meu mandato, e pela primeira vez na História, termos um número igual de mulheres e homens na alta gestão das Nações Unidas.
Estamos longe da igualdade. Acabar com o patriarcado exige investimento. É hora de abrir a carteira.
* Secretário-geral das Nações Unidas.
Leia o artigo publicado pelo Jornal O Globo em:
https://oglobo.globo.com/opiniao/artigos/coluna/2024/03/investir-nas-mulheres-e-apostar-na-igualdade-de-genero.ghtml
Por: António Guterres
Artigo publicado em O Globo em 7 de março de 2024.