Investimento da filantropia é central para avanço de políticas de preservação da memória negra

O direito à memória pode ser definido como o direito de um povo ou indivíduo de obter conhecimento de fatos relativos à história. 

No Brasil, por exemplo, o direito à verdade, memória e justiça é um lema presente quando se recorda o período da ditadura militar. Mas quando se trata da memória da população afrodescendente, esse parece ser um direito sequestrado e inacessível. 

“A memória, a gente considera como o não-saber que conhece, esse lugar de inscrições que restituem uma história que não foi escrita, o lugar da emergência da verdade, dessa verdade que se estrutura como ficção”, escreveu Lélia Gonzalez em seu artigo Racismo e sexismo na cultura brasileira

Para Paulo Ramos, pesquisador do Afro-CEBRAP (Núcleo de Pesquisa e Formação em Raça, Gênero e Justiça Racial), a história e memória da população negra precisam ser reconhecidas como um direito humano no Brasil. “É a partir do conhecimento da história e da preservação, que os indivíduos se reconhecem como parte de uma coletividade e de uma comunidade de direitos compartilhados, reconhecidos pelo Estado, pela sociedade e pelos seus pares.”

Estratégias de preservação e valorização 

Ao considerar os efeitos da diáspora africana em decorrência do processo de escravização, diversas estratégias foram adotadas pelo mundo para preservar e valorizar as memórias, histórias, culturas e religiões ancestrais dessa população.

Paulo Ramos explica que existem muitas políticas possíveis voltadas para a valorização da memória da população negra. Uma das mais tradicionais, é a criação de datas comemorativas. A exemplo do próprio 20 de novembro, criada justamente para contestar a legitimidade do 13 de maio, data da assinatura da Lei Áurea. O dia 20 é uma referência ao dia da morte de Zumbi dos Palmares.

O pesquisador do Afro-CEBRAP cita ainda a construção de monumentos, a nomeação de logradouros públicos com o nome de pessoas negras ou com referências à cultura negra ou africana e a criação de museus.

“Há também a produção de espaços de elaboração coletiva, como os centros de cultura, que fazem difusão da memória. Existe ainda, e nisso precisamos avançar: criação de centros de pesquisa, não de cultura, mas de pesquisa sobre a cultura negra e a história negra, afro-brasileira e africana.”

Para Paulo Ramos, os centros de pesquisa nessa área temática ainda são muito incipientes no Brasil. “Mas é algo que está bastante próximo da gente, haja vista a quantidade de profissionais negros que foram formados por meio das políticas de ação afirmativa”. Ramos ressalta que são esses centros de pesquisa as bases que vão produzir insumos para que surjam livros, cursos, palestras, reportagens e circulação dessas informações.

O papel da filantropia no direito à memória

De acordo com o pesquisador, a filantropia e o investimento social privado historicamente têm sido importantes para a indução de agendas, reflexão e debates públicos sobre diversos assuntos de relevância social. Com o direito à memória não é diferente. 

“A filantropia tem um papel destacado e central no fomento a agendas de pesquisa, a criação de novos centros de pesquisa e de cultura, centros de memória.”

O pesquisador lembra que em um momento de retomada do pacto democrático, o processo de elaboração de memória coletiva é central. Isso porque uma sociedade democrática depende não só de uma constituição que garanta legalmente, mas também de um pacto político socialmente legitimado. O que passa por uma elaboração de consensos coletivos sobre o passado.

O financiamento da filantropia, afirma, tem papel chave porque pode agir com maior celeridade em comparação a organismos estatais para que se crie instituições. Para ele, a criação de uma rede de iniciativas ligadas à memória negra deveria ser uma prioridade para os atores do setor.

“É preciso reconhecer que a escravidão foi um trauma. A memória negra está emergindo com agilidade no momento em que há uma transição geracional no movimento negro e em que existe uma convergência institucional em favor de iniciativas de memória negra”, completa.

Fonte: gife.org.br

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