A nova vedete da captação de recursos do Terceiro Setor.
A Medida Provisória nº 851, de setembro de 2018, sancionada pelo então presidente Michel Temer, está movimentando o “mercado”. Convertida na Lei nº 13.800, de janeiro de 2019, sancionada pelo atual presidente Jair Bolsonaro, autoriza a constituição de fundos patrimoniais com o objetivo de arrecadar, gerir e destinar doações de pessoas físicas e jurídicas privadas para programas e projetos, tais como à educação, ciência, tecnologia, pesquisa e inovação, cultura, saúde, assistência social, segurança pública, ao meio ambiente, desporto, direitos humanos e a demais finalidades de interesse público.
A motivação que levou ao seu sancionamento deriva da necessidade do capital da iniciativa privada para o financiamento das instituições e dos interesses públicos, dada a ausência de orçamento estatal para mantê-los.
A experiência internacional, lançada como exemplo na exposição de motivos para sancionar a lei, também teve um forte apelo, com referência ao modelo americano de fundos bilionários, notadamente para financiar universidades e a conservação de patrimônio histórico.
Em tal modelo, para a educação, foram citados dois fundos: (i) Universidade de Harvard, que possui um patrimônio estimado em US$ 37,6 bilhões; (ii) Stanford, Princeton e Yale, com patrimônios estimados entre US$ 20 e 25 bilhões. Já na área da cultura, destacou-se que 69% das receitas do Metropolitam Museum of Art de Nova Iorque decorreram de seus Fundos Patrimoniais e doações, sendo 38% em doações e 31% em rendimentos desses fundos.
A lei é abrangente, mas acertadamente não deixa de albergar os organismos integrantes do Terceiro Setor, entre eles, as entidades sociais, que podem ocupar o papel de instituição apoiada, isto é, ser financiada pelos fundos patrimoniais ou aquele de organização gestora do fundo na captação e na gestão das doações e do patrimônio constituído.
Não há dúvida que as entidades sociais, indiretamente, já vêm operando nesse viés, pois atualmente estão autorizadas, diante de sua finalidade e múnus de interesse público, a receberem apoio para as suas causas, como gerir recurso para apoiar outras iniciativas sociais. Assim, à primeira vista, a nova legislação não traz nenhum alento para facilitar o financiamento do mister social, apenas prevê a institucionalização da figura de novo ente de caráter financeiro para subsidiar a causa sob os auspícios das ondas de governança coorporativa.
A legislação assim conceitua o fundo patrimonial: “é um conjunto de ativos de natureza privada instituído, gerido e administrado pela organização gestora de fundo patrimonial com o intuito de constituir fonte de recursos de longo prazo, a partir da preservação do principal e da aplicação de seus rendimentos;”. Nota-se que ele é diametralmente distinto do fundo de investimentos, que nada mais é, em síntese, do que a sinergia de investidores com propósito de experimentar lucro no mercado de capitais.
Os entes sociais, até mesmo por força de lei e com respaldo na jurisprudência, devem aplicar os excedentes de recursos públicos em fundos de investimentos, a saber: “Lei 8.666/93, Art. 116, § 4º – Os saldos de convênio, enquanto não utilizados, serão obrigatoriamente aplicados em cadernetas de poupança de instituição financeira oficial se a previsão de seu uso for igual ou superior a um mês, ou em fundo de aplicação financeira de curto prazo ou operação de mercado aberto lastreada em títulos da dívida pública, quando a utilização dos mesmos verificar-se em prazos menores que um mês.”. Isto prova que o fundo financeiro não é inusitado na vida do ente social.
No entanto, o fundo patrimonial é inovador, pois ele não está pareado ao fundo de investimento, já que não busca simplesmente a multiplicação do pouco ou do muito erigido pelo ente, por meio do mercado de capitais. Ele vai além e busca, ao invés do ganho financeiro, a acreditação na causa e por consequência sua perenidade, através da captação de recursos por meio de doações de pessoas físicas e jurídicas. Ele deve ser exclusivo para esse fim, ou seja, autônomo do organismo social, ainda que derivado dele, para que possa atender ao comando da lei e lograr independência com maior transparência.
A saga dos entes sociais na busca da fidelização de doadores não é uma tarefa fácil, pois quando se trata de um organismo pouco estruturado, até as querelas são suscitadas. O ceticismo é imperativo, dada a ausência de mecanismos de transparência e comprovação da entrega social, capaz de incentivar a continuidade da contribuição. As receitas, tais como as despesas, se misturam, e a identidade da doação se perde, o que causa o desestímulo.
Já os entes sociais mais aquinhoados nem sempre conseguem persuadir a necessidade de fomento para os seus fins. De forma transversa, igualmente entregam, ainda que inconscientemente, ceticismo ao doador que, via de regra, se sensibiliza mais com os miseráveis do que com os abastados. Logo faz-se a leitura de que a opulência não reclama necessidade, pouco importando que o dinheiro é finito, mas a causa e os efeitos são perenes.
Eis então a importância do fundo patrimonial, que se presta a financiar uma determinada causa de interesse público e tudo que nela gravita, tem o destino certo, objetivo e claro, além de não estar misturado e tampouco contaminado com outras despesas e receitas. Alguns exemplos, além daqueles já mencionados, podem ser destacados, em especial quando há comoção nacional, como aquelas em torno da restauração do Museu Nacional radicado no Rio de Janeiro, destruído recentemente pelo fogo (com arrecadação em torno de R$ 1 milhão), tal como ocorreu na Catedral de Notre-Dame na França (com arrecadação em torno de R$ 2,5 bilhões!!), em que ambos deram matizes para a arrecadação popular.
Fato é que o fundo tende a seduzir mais o doador com seriedade, transparência e prova de que a sua aplicação se destina exclusivamente para o fim estabelecido, até porque ele é formado por colegiados de gestão e controle. O crescimento do patrimônio do fundo patrimonial, ao invés de afugentar doadores, deve agregá-los, pois traduz credibilidade e incentiva as iniciativas previstas nos seus fins, como vimos nos exemplos dos fundos bilionários americanos.
Enfim, toda iniciativa que visa contribuir ao combate de desigualdades sociais é plausível de reverência. Ainda que haja um terreno árido e espinhoso para edificar os fundos patrimoniais, eles poderão imprimir uma nova era de mobilização de recursos, capaz de ao menos minorar ou quem sabe eliminar o eco do caixa social.
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