ARTIGO: Governança em tempo de pandemia da COVID-19

A pandemia (Covid-19) tem causado impacto na vida de toda população brasileira. Novas práticas estão sendo implementadas de forma dinâmica, tornando uma obrigação o uso de inúmeras ferramentas tecnológicas que estão a nossa disposição. Alguns costumes serão deixados de lado por uma questão de necessidade, não de escolha ou gosto.

Na gestão das organizações da sociedade civil, deverão ser implementadas novas práticas de gestão. No atual momento, merece destaque as novas práticas que se fazem necessárias para a realização das assembleias de aprovação de contas e eleição dos membros cujo mandato venceram ou vencerão durante a pandemia.

Abordaremos nesse trabalho a previsão legal contida na Medida Provisória nº 931, a celebração de assembleias e reuniões de Conselho Curador de forma virtual, a prorrogação dos prazos de gestão dos dirigentes e as formalidades dos atos virtuais.

Medida Provisória nº 931

A solução jurídica para as questões trazidas por esse período de pandemia decorre da Medida Provisória nº 931, de 30 de março de 2020, que alterou a Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil, a Lei nº 5.764, de 16 de dezembro de 1971 – Lei das Cooperativas, e a Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976 – Lei das Sociedades Anônimas.

A referida Medida Provisória, em seu artigo 1º, concedeu o prazo de 7 (sete) meses para a realização da assembleia prevista no artigo 132, da Lei nº 6.404/76. Esse artigo está assim redigido:

Art. 132. Anualmente, nos 4 (quatro) primeiros meses seguintes ao término do exercício social, deverá haver 1 (uma) assembléia-geral para:

I – tomar as contas dos administradores, examinar, discutir e votar as demonstrações financeiras;

II – deliberar sobre a destinação do lucro líquido do exercício e a distribuição de dividendos;

III – eleger os administradores e os membros do conselho fiscal, quando for o caso;

IV – aprovar a correção da expressão monetária do capital social (artigo 167).

A Lei nº 6.404/76, conhecida como lei das sociedades anônimas, é aplicável de forma subsidiária às organizações da sociedade civil, razão pela qual podemos considerar que estão prorrogados, por 7 (sete) meses, a contar do término do exercício fiscal anterior, os prazos para aprovação das contas do exercício anterior e a eleição dos dirigentes e conselheiros fiscais cujos mandatos venceriam nesse período de pandemia.

Projeto de Lei nº 1.179/20

Importante registrar que foi aprovado no Senado Federal o Projeto de Lei nº 1.179/2020, de autoria do Senador Antonio Anastasia, que dispõe sobre o Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado (RJET) no período da pandemia do Coronavírus (Covid-19). O referido projeto encontra-se na Câmara de Deputados para votação.

No projeto de Lei nº 1.179/2020, em seu artigo 4º dispõe que “as pessoas jurídicas de direito privado referidas nos incisos I a III do art. 44 do Código Civil deverão observar as restrições à realização de reuniões e assembleias presenciais até 30 de outubro de 2020, durante a vigência desta Lei, observadas as determinações sanitárias das autoridades locais.”

As pessoas jurídicas contidas nos incisos I a III do art. 44 do Código Civil são as associações, as sociedades e as fundações.

Por sua vez, o art. 5º, do mesmo projeto de lei, dispõe que:

“Art. 5º A Assembleia geral, inclusive para os fins do art. 59 do Código Civil, até 30 de outubro de 2020, poderá ser realizada por meios eletrônicos, independentemente de previsão nos atos constitutivos da pessoa jurídica.

Parágrafo único. A manifestação dos participantes poderá ocorrer por qualquer meio eletrônico indicado pelo administrador, que assegure a identificação do participante e a segurança do voto, e produzirá todos os efeitos legais de uma assinatura presencial.”

Embora o projeto de lei citado não mencione as reuniões do Conselho Curador, órgão máximo de gestão das fundações, por analogia, todas as regras cabíveis à assembleia se aplicam ao mesmo.

No momento, nos cabe acompanhar a tramitação do projeto de lei junto a Câmara de Deputados.

DO PRAZO DE MANDATO

Uma dúvida recorrente das organizações da sociedade civil é o que fazer nos casos em que o mandato venceu ou vencerá durante a pandemia.

A resposta a essa dúvida está no art. 1º, § 2º, da Medida Provisória nº 931, assim redigido:

“Art. 1º A sociedade anônima cujo exercício social se encerre entre 31 de dezembro de 2019 e 31 de março de 2020 poderá, excepcionalmente, realizar a assembleia geral ordinária a que se refere o art. 132 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, no prazo de sete meses, contado do término do seu exercício social.

§ 2º Os prazos de gestão ou de atuação dos administradores, dos membros do conselho fiscal e de comitês estatutários ficam prorrogados até a realização da assembleia geral ordinária nos termos do disposto no caput ou até que ocorra a reunião do conselho de administração, conforme o caso.”

De forma subsidiária, devemos aplicar aos mandatos dos dirigentes a prorrogação de prazo contido na Medida Provisória.

Com isso, os atuais dirigentes estão aptos a praticarem todos os atos necessários para a gestão e administração das organizações da sociedade civil, inclusive a movimentação de contas bancárias, celebração de parcerias com o Poder Público, dentre outros atos que visem dar continuidade às suas atividades.

DAS ASSEMBLEIAS VIRTUAIS

Visando cumprir e manter o isolamento social se torna ainda mais relevante a permissão para a realização de assembleias – no caso das associações, e, reuniões de Conselho Curador – no caso de fundações, por meio virtual.

A Medida Provisória, em seu art. 9º, altera a Lei das Sociedades Anônimas, permitindo a participação e voto dos acionistas por meio virtual. Para as organizações da sociedade civil, tal permissão é para que os associados e conselheiros possam participar e votar a distância.

Dessa forma, com essas alterações realizadas na Lei nº 6.404/76, que é aplicada ao Terceiro Setor de forma subsidiária, em nosso entendimento, as organizações da sociedade civil nesse período de pandemia, deverão realizar suas assembleias e reuniões de Conselho Curador por meio de conferência eletrônica.

Não podemos esquecer que, em regra, os Estatutos Sociais concedem a algum órgão o poder de deliberar ad referendum, tal hipótese não pode ser descartada nesse momento de pandemia.

Destacarmos que o Estatuto Social da organização da sociedade civil que não apresente a impossibilidade de realização de conferência eletrônica, para realização de assembleias e reuniões, não havendo necessidade de permissão, basta que não tenha a impossibilidade.

DOS PROCEDIMENTOS PARA A ASSEMBLEIA E REUNIÃO VIRTUAL

A organização da sociedade civil deverá proceder com a convocação do ato na forma prevista em seu Estatuto Social, acrescentando a esse a convocação por e-mail à todos que devem participar do ato, com pedido expresso de comprovação de recebimento, devendo constar da convocação todos os assuntos que serão deliberados em assembleia – no caso de associações, e, reuniões – no caso de fundações, a ferramenta tecnológica que será utilizada, com o endereço eletrônico para acesso a sala virtual, bem como todas as demais informações de praxe.

O e-mail com a confirmação de recebimento servirá como lista de presença, corroborada pela inserção em ata, por parte do presidente da organização da sociedade civil e o secretário da assembleia, do nome e CPF de todos os presentes no ato.

Na ata deverá constar que a assembleia está sendo realizada de forma virtual, com a identificação da ferramenta utilizada e o fato de que a mesma está sendo realizada de forma virtual devido a pandemia e a ordem de isolamento social emitidas pelas autoridades de saúde pública.

Por fim, a ata deverá ser assinada digitalmente pelo presidente da organização da sociedade civil e pelo secretário da assembleia.

Em consulta ao site https://www.documentoeletronico.com.br/doceletronico.asp é possível encontrar a distinção entre a assinatura digital e a assinatura eletrônica.

A primeira não necessita de concordância da outra parte, equivale a assinatura de próprio punho (MP 2.200-2, artigo 10, parágrafo 1º) e é recomendada aos casos em que se necessita maior segurança jurídica. A assinatura eletrônica é baseada em evidencias coletadas na assinatura do ato, não substituindo a assinatura de próprio punho.

Passado esse período de pandemia, fica a orientação para que as organizações da sociedade civil atualizem seus estatutos trazendo a previsão de realização de assembleia ou reunião do Conselho Curador de forma virtual e os procedimentos necessários à realização de tais atos.

A necessidade de hoje, em tempos de pandemia, pode se tornar uma realidade benéfica no futuro, pois permitirá um maior número de pessoas participando, seja em assembleias ou reuniões.

Por: Renata Lima e Guilherme Reis

Renata Lima e Guilherme Reis são advogados especializados no Terceiro Setor, sócios do escritório Lima & Reis Sociedade de Advogados, sediado em Belo Horizonte (MG). Ambos são coautores dos livros “Imunidade Tributária para o Terceiro Setor” e “Imunidade Tributária das Contribuições para o Terceiro Setor”, lançados pela Rede Filantropia.

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